domingo, 15 de abril de 2012

Dossiê Rio+20 - Cúpula dos Povos


 
Dossiê Rio+20 - Cúpula dos Povos
Iser Assessoria
 
 
Reunimos aqui artigos e estudos importantes para compreender as diversas questões que estarão envolvidas, em junho de 2012, na Rio+20 e na Cúpula dos Povos. Fundamentalmente estará em jogo a interrelação de três aspectos importantes da vida: a natureza, a sociedade e a economia.
O objetivo desta reunião de documentos é facilitar para um público mais amplo o acesso a análises de pessoas que tem um posicionamento mais crítico ao crescimento da economia em detrimento dos direitos humanos e dos direitos da natureza.
Dividimos os artigos em quatro blocos temáticos:
·          Bem-Viver
·          Crítica à Economia Verde
·          Energia
·          Por Outra Economia
 
 
 
1.    Bem-Viver
Eduardo Gudynas - O “Bem-Viver” engloba um conjunto de idéias que está sendo forjado como reação e alternativa aos conceitos convencionais de desenvolvimento. Esse termo está adquirindo vários sentidos que exploram perspectivas criativas tanto no plano das idéias como nas práticas. Também em espanhol:BUEN VIVIR: GERMINANDO ALTERNATIVAS AL DESARROLLO
 
Pedro de A. Ribeiro de Oliveira - No contexto de crise planetária, as pessoas que proclamam “um novo mundo possível” se voltam para outras fontes de saber, que não seja aquela que nos levou à crise. DeNossa América vem a novidade do Bem-viver que, como toda utopia, tem a função prática de fazer avançar, corrigir erros e retificar a caminhada, bem como a função teórica de abrir novos horizontes para a ética, a economia, a cultura, a política e a espiritualidade.
 
PAULO SUESS - Na construção do “bem-viver”, dois eixos são sumamente importantes: o “bem-viver” para todos, combatendo uma sociedade de classes e privilégios. E o “bem-viver” para sempre, que é o “bem-viver” com memória histórica, não apenas dos sobreviventes e vencedores, mas que dá voz e ouvido aos vencidos.
 
Iser Assessoria - Em 2010 o Instituto Humanitas da Unisinos, São Leopoldo, RS, publicou uma serie de artigos trazendo para nós o conceito do Bem-Viver que nas línguas dos povos originários soa comoSumak Kawsay (quíchua), Suma Qamaña (aimará), Teko Porã (guarani). Temos aqui uma grande contribuição dos povos latino-americanos para as transformações necessárias neste início do século XXI.
 
 
2.    Economia Verde – Crítica
 
 
WRM - Boletim Mensal do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, n. 175, fev. 2012. O tema Central deste Boletim é Serviços Ambientais. No ano em que irá acontecer a conferência Rio+20 sobre meio ambiente, o Movimento Mundial Pelas Florestas Tropicais traz informações sobre o ‘pagamento e comércio em serviços ambientais’
 
Lívia Duarte - Em busca de uma “outra economia”, representantes de entidades e movimentos sociais críticos à economia verde se reuniram no seminário “Rumo à Rio+20: Por uma outra economia”. Para encontrar um novo modo de viver não é preciso sair do zero. Não faltam práticas e conceitos em construção à margem da hegemonia: o bem-viver, os bens-comuns, o decrescimento, justiça ambiental, economia do cuidado, comunidades tradicionais e camponesas. O desafio estará em tornar visíveis práticas tão plurais.
 
Edgardo Lander - Em preparação para a Rio+20 foram postos novamente em marcha todos os dispositivos científicos e imaginários com os que contam os governos e os organismos. Trata-se de uma nova e sofisticada ofensiva destinada a circunscrever os problemas da crise terminal deste padrão civilizatório hegemônico em termos tais que não ponha em questão a operação global das relações políticas e econômicas hoje dominantes no planeta. O autor é Professor titular de Ciências Sociais da Universidade Central de Venezuela e pesquisador de Transnational Institute - www.tni.org
 
Fátima Mello - “Temos a absoluta convicção de que a economia verde proposta pelas Nações Unidas e pelas corporações que estão dominando o debate levará o mundo ao colapso”, afirma a diretora da FASE e membro do comitê facilitador da sociedade civil para a Rio+20.
 
Iara Pietricovsky - O documento que servirá de base para os acordos e resultados da Rio+20 oficial da ONU – chamado de rascunho zero (“zero draft”) – foi publicado no início de janeiro de 2012. Seu texto e sua estrutura revelam uma tentativa enfática de estimular práticas menos danosas para o meio ambiente dentro do modelo econômico hoje vigente. Mas não questiona o caráter insustentável desse mesmo sistema de desenvolvimento.
 
Várias organizações - ONGs e OSCs da Ásia, África, América Latina e Europa, todas reconhecidas na luta pela equidade e justiça ambiental, apresentam os pontos mais preocupantes do documento de trabalho da Rio+20. 
 
VV.AA. - Las propuestas desarrolladas por el Estado Plurinacional de Bolivia recogen y se basan en los avances de la Carta Mundial de la Naturaleza (1982), la Declaración de Río (1992), la Carta de la Tierra (2000), y la Conferencia Mundial de los Pueblos sobre Cambio Climático y Derechos de la Madre Tierra (2010).
 
Bárbara Mengardo - Pesquisador diz não esperar nada da cúpula, critica a 'economia verde' e aponta movimentos indígenas e camponeses como dois dos principais agentes na luta por uma "sociedade mais limpa". Veja entrevista dada a Caros Amigos.
 
 
3.   Energia
Manuel Lume - “O Brasil ocupa posição de destaque no cenário energético do mundo, mas pode estar investindo olhando a realidade pelo retrovisor”, escreve Lume em artigo no sítio Envolverde, 15-08-2010, tendo presente os ‘Diálogos Capitais’ promovido pela Carta Capital e pela Envolverde que convidaram executivos e especialistas para debater as “Energias do amanhã”.
 
Heitor Scalambrini Costa - Devemos visualizar e apontar para um mundo sem combustíveis fósseis, com matrizes energéticas que utilizam recursos energéticos locais, geridas e produzidas localmente de maneira descentralizada, evitando as perdas por transmissão e distribuição.
 
Ricardo Abramovay - A construção do futuro energeticamente limpo já começou. Ela tem que ser dramaticamente acelerada e, para isso, a condição é que a eficiência no uso de energia e materiais passe a ocupar, de fato, o centro da inovação tecnológica contemporânea. A ideia, tão corriqueira, de que, se esses caminhos de transição fossem tecnicamente viáveis e, de fato, positivos, o mercado já os teria levado adiante, é falsa.
 
Roberto Malvezzi - Estamos em meio a uma profunda crise civilizatória. O modelo civilizatório ocidental, alicerçado na exploração de seres humanos por outros seres humanos e na intensa exploração da natureza por uma restrita elite mundial, já não tem mais sustentação. A privatização da água passa pela elaboração de grandes estratégias, mapeando a abundância da água nas regiões do planeta e construindo planos que, ao longo prazo, permitam a apropriação privada desse bem em escala mundial.
 
 
 
4.    Por outra Economia
 
Ivo Lesbaupin - A saída da crise mundial não pode ser a retomada do crescimento econômico anterior, apoiado na lógica “produtivista-consumista”: a saída é o estabelecimento de um modelo de sociedade baseado em uma economia solidária e ecológica, na relação respeitosa com a natureza e na busca do bem-viver.
 
Ricardo Abramovay - Mais do que discutir quais são as propostas da direita ou esquerda, a crise trouxe a “necessidade de repensar a relação entre sociedade e natureza”. Abramovay defende a integração articulada entre sociedade e natureza numa mesma estrutura analítica. Para ele, muitos economistas de esquerda desconsideram esse fato e ignoram o debate ambiental, preocupados apenas com a ideia “de que é necessário intervir para garantir o crescimento e a melhor distribuição de renda”.
 

Rumo a um novo paradigma na Rio+20

Fátima Mello - Em junho de 2012 o Rio sediará a conferência Rio+20 em um momento de encruzilhada para a humanidade. Vinte anos depois, a conferência pretende fazer um balanço dos compromissos estabelecidos na Rio 92. Mais uma vez, assistirmos a uma massiva mobilização social nas ruas e a uma conferência oficial com grandes repercussões na mídia, mas sem conseqüências práticas nem acordos substantivos e vinculantes que possam encaminhar soluções à altura da crise vivida pela humanidade e pelo planeta.
 
Ricardo Voltolini - "Acabo de viver a rica experiência de editar o Plano B 4.0-- Mobilização para Salvar a Civilização, o importante livro de Lester Brown, um dos mais notáveis pensadores mundiais da sustentabilidade", escreve Ricardo Voltolini, em artigo publicado na Revista Idéia Socioambiental.
 
Marcus Eduardo de Oliveira - A economia só faz sentido se for usada para atender as necessidades humanas. A economia precisa respeitar os limites físicos impostos pela natureza, até porque ela é um subsistema da bioesfera finita. Urge promover a conciliação entre a economia e o meio ambiente e extirpar o pensamento econômico tradicional que recomenda o crescimento econômico infinito e exponencial.
 
Fase - O Rio de Janeiro sediará em junho de 2012 um evento que poderá simbolizar o encerramento de um ciclo e o início de outro. A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável/Rio+20 se propõe a debater três questões: avaliação do cumprimento dos compromissos acordados na Rio 92

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Os Tikunas e o ‘Mito da Criação’


Os Tikunas e o ‘Mito da Criação’


“Metidos nesses trajes festivos, os Tikunas executam suas monótonas danças, que se resumem num sapateado e no balanço do corpo de um lado para o outro, ao som de cantos e de instrumentos de percussão. Isso se prolonga por três ou quatro dias e noites, ininterruptamente, durante os quais eles ingerem enormes quantidades de caiçuma, além de fumarem e cheirarem pó de‘paricá”. (Henry Walter Bates) 

- Um Jantar Especial 
O Cacique Tikuna João Farias Filho, da Comunidade Feijoal, Alto Solimões, é um líder nato, exercendo sua liderança com muita sabedoria e bom senso. Lúcido e inteligente, está a par dos acontecimentos nacionais e internacionais sobre os quais discorre com fluência e conhecimento impressionante. 
Desfrutamos de um jantar, muito especial, com o cacique e amigos Tikunas. O cacique, que é evangélico, encabeçou uma prece em agradecimento ao Senhor. Cerimoniosamente, sentados no chão, consumimos o delicioso jantar preparado pela tia do amigo Arsênio, funcionário da Funai. Durante a refeição, provoquei o Cacique para que nos relatasse algumas de suas lendas e costumes. Ele nos relatou como foi criado o Povo Tikuna e detalhes da festa da Moça Nova.

- Povo Tikuna - Mito da criação 
Como as lendas se confundem com a própria origem dos povos indígenas, os quais eram ágrafos, a tradição oral permite, de acordo com a vivência e conhecimento do seu interlocutor, matizá-las, castrá-las ou incrementá-las mantendo intocado apenas o cenário de fundo. Embora tenha ouvido a mesma lenda contada em cinco oportunidades diferentes, em cada uma delas, pude observar novas ou diferentes nuances. Há, por exemplo, uma divergência muito grande na série de relatos ouvidos desde a morte até a ressurreição de Nutapá. Procurei, então, reproduzir, abaixo, um resumo dos pontos em comum a todas elas, suprimindo detalhes que não eram similares a todos os relatos. 
No início, havia uma separação entre Tempo e Espaço. Antes da criação do mundo, no Tempo, Nutapá e sua mulher Mapana viviam às margens do ‘Igarapé’ Eware em lugares distintos, numa época de fartura em que a caça e a pesca eram abundantes. No primeiro dia de caça, os dois se desentenderam e Nutapá amarrou a mulher a uma árvore para morrer, porque ela não tinha órgão sexual para lhe gerar filhos. Um pássaro, chamado Canã, que sobrevoava o local, se transforma em gente para desamarrar a mulher de Nutapá e, mais tarde, participa do plano de Mapana para assassinar Nutapá. 
Mapana atirou um ninho de ‘cabas’ nos joelhos de Nutapá quando este retornava da caça. Nutapá foi ferroado pelos animais em ambos os joelhos. Um grande tumor se formou nos joelhos ferroados e o grande chefe mandou abrir para ver se havia algum bicho nas feridas. Dentro dos tumores estavam dois meninos e duas meninas fazendo zarabatanas, flechas, alforjes, venenos e muitas outras coisas. Nutapá tirou do joelho direito um casal de meninos; chamou o menino de Djói e a irmã dele de Movaca. Do joelho esquerdo um outro casal que ele batizou de Ipi e Aucana. Djói fabricou a zarabatana e o curare, e Ipi o arco e a flecha. Aucana fabricou o cesto e a bolsa, e Movaca a ‘maqueira’ e a peneira. As crianças foram os artífices de todos os objetos que os Tikunas usam até hoje.

Igarapé - Rio pequeno que tem as mesmas características dos grandes; é, geralmente, navegável; os maiores denominam-se Igarapés-açus e os menores, Igarapés-mirins. 

Caba
 (marimbondo) - designação dada aos insetos himenópteros, vespídeos.
Maqueira - rede artesanal. 

Um dia, quando os meninos pescavam com Nutapá, este foi engolido por uma onça depois de ter cruzado uma pinguela sobre o Igarapé Eware. Djói e Ipi tentaram rastrear a onça e, como não conseguissem, voltaram ao local de travessia e passaram no tronco, estendido sobre o Igarapé, gosma de peixe e de frutas. Enquanto esperavam a volta do animal, foram fazendo piranhas - pretas, vermelhas, brancas, afiando os seus dentes como haviam afiado os seus. Quando a onça tentou passar pelo tronco, escorregou e caiu na água, e as piranhas a mataram. Djói e Ipi secaram o Igarapé, tiraram o couro da onça e recolheram do seu estômago os pedaços de Nutapá, levando-os para casa e ressuscitaram o ancião.

A copa da grande ‘samaumeira’ cobria o mundo, escurecendo tudo, e os irmãos Djói e Ipi tentaram abrir um buraco na copa da árvore, jogando-lhe caroços de ‘arara-tucupi’ e, como não conseguissem, chamaram o pica-pau, que tentou, em vão, cortar o duro tronco com o bico. Resolveram então tirar o machado da cutia arrancando-lhe a perna de trás, que era o seu machado. Ipi começou a cortar a árvore, mas o corte tornava a fechar. Djói resolveu tentar e, com ele, o corte se mantinha aberto. Depois de cortar um bocado, passou o machado a Ipi, que continuou a cortar e, agora, para seu espanto, o corte não se fechava mais. O corte era profundo e, mesmo assim, a árvore não caía. Os irmãos olharam para cima e viram que era uma preguiça que a sustentava. Chamaram o ‘acutipuru’ pequeno (serelepe, caxinguelê, quatipuru ou caxixé) para subir e tirar a mão da preguiça do galho. O acutipuru subiu com formigas de fogo para jogar nos olhos da preguiça e conseguiu atingir-lhe os olhos. A samaumeira caiu e, daí por diante, se pôde ver o sol, o céu, as estrelas. A recompensa do acutipuru foi casar com a irmã dos meninos. 

Samaúma 
ou Sumaúma (ceiba pentranda) - considerada, pelos nativos, como a ‘rainha da floresta’. Os indígenas a consideram a ‘mãe-das-árvores’. Conhecida como ‘Árvore da Vida’ ou a ‘escada do céu’. É uma das maiores árvores do mundo, atingindo 90m de altura. Suas sapopembas, além de ornamentais, podem ser transformadas em habitações pelos povos da floresta. 

Arara-tucupi
 (parkia pendula) - conhecida vulgarmente como angelim-saia. Tem ocorrência natural na Amazônia brasileira e possui madeira com características atrativas para o mercado madeireiro. 

Acutipuru
 (sciurus vulgaris) - admirado pelo seu aspecto peculiar, o serelepe ou esquilo brasileiro, também é conhecido na região por caxinguelê, caxinxe, catiaipé, quatimirim, quatipuru, acutipuru. O serelepe é um animal arborícola, vive nas copas das árvores. As sementes, insetos e frutas são as principais fontes de alimentação. Quando adulto, seu corpo chega a medir 25 cm e o rabo, de 25 cm ou mais. 

Djói, usando isca de macaxeira, foi até o Igarapé Eware e pescou peixes que transformou em gente logo que eram retirados da água, criando, assim, o povo Maguta, que significa ‘povo pescado do Rio’, os ascendentes dos Tikunas.
Fonte: Cel Hiram Reis e Silva

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Bikes VS Carros (ou) Como os holandeses venceram a ditadura do Carros






Um vídeo de enorme importância para o Brasil mostra como é possível mudar mentalidades e sistemas de transporte

Outras Palavras não publica normalmente material em outros idiomas, mas o vídeo acima (em inglês – para legendas em português, clique em “CC”, sob a tela) merece uma exceção. Precisamente no período em que surge no Brasil uma forte mobilização em favor de outro sistema de transportes e mobilidade, ele mostra que esta luta pode ser vitoriosa. Está focado na Holanda, provavelmente o país que melhor superou a locomoção baseada no automóvel individual — substituindo-a por uma vasta rede de trens, bondes e ciclovias.

Em seus 6m29, o documentário revela algo chocante: a cultura da bicicleta sempre foi forte na Holanda; no entanto, há menos de quarenta anos, o trânsito era tão hostil às bicicletas como o de nossas cidades. Num único ano (1971), houve 3,3 mil mortes no trânsito — entre os quais, 400 crianças — parte importante dos quais, ciclistas. Os dados são ainda mais expressivos por se tratar de um país cuja população (16,6 milhões) é semelhante à da região metropolitana de São Paulo.

As mortes estão estreitamente relacionadas a um processo muito semelhante ao vivido hoje no Brasil. Libertada do domínio nazista em 1945, a Holanda viveu, nos 25 anos seguintes, um enriquecimento acelerado, que beneficiou todas as classes sociais. A renda per capita cresceu 222%, entre 1948 e 1970. Boa parte dos que passaram a viver em condições mais favoráveis aspiravam ao padrão de consumo tradicional, em cujo centro está o automóvel. Para abrir avenidas, destruíam-se conjuntos residenciais e ciclovias. Praças foram convertidas em estacionamentos. O deslocamento médio realizado diariamente por um holandês passou de 3,9 para 23,2 km.


Dois fatores colocaram o modelo em xeque. O primeiro, e decisivo, foi uma intensa mobilização social contra a ditadura do automóvel, a partir dos anos 1970. Ele serviu-se do apego da população à bicicleta, que remota ao começo do século 20. Convergiu para intensas mobilizações em favor de um novo projeto de cidade. É algo que pode se dar também no Brasil contemporâneo, caso haja uma articulação mais forte entre movimentos como as lutas pelo direito à moradia, as bicicletadas e o ambientalismo urbano.

O primeiro choque mundial de combustíveis, em 1973, foi o catalisador final. Dependente do petróleo ao extremo, a Holanda viu-se contra as cordas, quando o preço do barril triplicou em poucas semanas. Porém, um governo ousado, dirigido pelo primeiro-ministro trabalhista Joop den Uyl, reagiu com medidas como os “domingos sem carro” e a proibição dos automóveis no centro das cidades.

Combinada com a mobilização social já existente, esta atitude deu início a uma revolução urbana. O traçado viário das cidades foi inteiramente transformado, para que surgissem áreas seguras para ciclistas. O uso da bicicleta, que declinara 6% ao ano no pós-II Guerra, cresceu entre 30% e 60%, em poucos meses. Junto com as ciclovias, floresceu um vasto movimento de recuperação das cidades, que transformou em praças e parques áreas antes colonizadas pelos carros. A profusão de espaços públicos e os contatos sociais e a sensação de liberdade que eles proporcionam são, por sinal, um dos ingredientes centrais para o encantamento produzido por cidades como Amsterdam.

O documentário termina com uma provocação: “Os graves problemas causados pelo automóvel não eram uma exclusividade dos holandeses”, diz o locutor. E instiga: “A saída que eles encontraram também não precisa ser”…

Bastam alguns minutos, após descer na estação ferroviária de Amsterdam, para sentir a enorme transformação no ambiente urbano.




= = =
A noite em que o Brasil encarou a ditadura do automóvel
Milhares de pessoas exigem, nas ruas de 35 cidades, políticas em favor da bicicleta e do transporte público — e fazem do 6 de Março uma data histórica. Veja cobertura fotográfica do Fora do Eixo
(Para acessar as 293 fotos, em S.Paulo, Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, Florianópolis, Manaus, clique aqui)

São Paulo


Porto Alegre

Belo Horizonte

Rio de Janeiro

Florianópolis

Manaus

Curitiba











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Bicicletada nacional de protesto: 35 cidades aderem
Veja grade completa das manifestações deste 6/3, com locais e horários. Nas redes, participantes combinam vestir-se de preto.
Mais, sobre a morte de Juliana Dias e a luta contra a ditadura do automóvel:
O luto de hoje e a luta de sempre, por Antonio Martins
Anjo exterminador, por Eduardo Galeano
Entrevista com Chris Carlsson, um dos criadores do movimento Massa Crítica
As fotos do protesto de sexta-feira, em São Paulo
A seguir, as cidades e suas ações nesta terça-feira:
  • Aracaju (SE): 20 hs, Mirante da Treze de Julho
  • Belém (PA): Concentração a partir das 18h no Centro Arquitetônico de Nazaré – CAN. Saída às 19h30
  • Belo Horizonte (MG): 19h, Praça da Estação;
  • Brasília (DF): 19h, Praça das Bicicletas (Museu Nacional);
  • Campo Grande (MS): 18h, Praça do Ciclista (rotatória da Avenida Duque de Caxias com a Afonso Pena) http://www.facebook.com/events/282569125145597/
  • Cascavel (PR) 18;30/19:00hs se reunir em frente da catedral
  • Caxias do Sul (RS): 19h, em frente a Prefeitura Municipal;http://www.facebook.com/events/371954129490520/
  • Cuiabá (MT): 20h, Praça 8 De Abri – na frente do Choppãohttps://www.facebook.com/events/255342117881035/
  • Curitiba (PR): 19h, Pátio da Reitoria (UFPR) Amintas de Barros (entre Dr. Faivre e Gen. Carneiro); https://www.facebook.com/events/188615161246812/
  • Florianópolis (SC): 19h, Skate Park Trindade (em frente ao Iguatemi);
    https://www.facebook.com/events/125659387560391/
  • Gramado (RS): 19h, Praça Major Nicoletti.
  • João Monlevade (MG): 19h, Praça do Povo
  • João Pessoa (PB): 19h, Busto de Tamandaré (Praia do Cabo Branco, final da Av. Epitácio Pessoa)
  • Jundiaí (SP): Embaixo do pontilhão na Av. 9 de Julho
  • Laranjeiras do Sul (PR): 19h, em Frente ao Lodi – Casa do Ciclista
  • Londrina (PR): 19h, ponte da Av. Higienópolis (lago 2)
  • Maceió (AL): 20h, Praça dos Ciclistas (Corredor Vera Arruda)
  • Manaus (AM): 19h30, Parque dos Bilhares (lado da Constantino Nery);
  • Maringá (PR): 19h, Praça da Catedral;
  • Natal (RN): 19h, Calçadão do Midway (Av. Salgado Filho);
  • Parnamirim (RN): 19h30, Posto BR (Aguinelo), Cohabinal
  • Pelotas (RS): 20h, em frente ao teatro 7 de Abril
  • Ponta Grossa (PR): 19h30, no parque ambientalhttp://www.facebook.com/events/309611795760654
  • Porto Alegre (RS): 19h, Largo Zumbi dos Palmares (EPATUR);
  • Recife (PE): 19h, Praça do Derbyhttps://www.facebook.com/events/325505750831153/
  • Rio de Janeiro (RJ): 18h30, na Cinelândia (em frente ao Cine Odeon);
  • Salvador (BA): 19h, Largo da Mariquita;
  • Santa Maria (RS): Concentração a partir das 18h15, Largo da Gare;
  • Santo André (ABC – SP): 19h, Praça do Ciclista – Av. Perimetral
    http://www.facebook.com/groups/217308051626659/
  • São Luís (MA): 19h, Praça do Rodão (Cohab).
  • São Paulo (SP): 19h, pça do ciclista (av. Paulista X rua da Consoloção);
  • Timbó (SC): 19h, em frente ao marco zero do Velotour (em frente do restaurante Thapyoka);
  • Vitória (ES): 19h, na Praça dos Namorados até a Praia de Camburi


    = = = A cidade sem catracas: Cultura do automóvel
    Este artigo é a primeira parte de uma reflexão que proponho sobre a mobilidade urbana no espaço do Blog Coletivo de Outras Palavras. A série compreenderá a Campanha pela Tarifa Zero em São Paulo e as bicicletas, como alternativas possíveis para a mobilidade.
    Neste primeiro texto, o alvo é a cultura do automóvel e seus efeitos sobre a mobilidade urbana. Mobilidade urbana é entendida aqui como as condições necessárias para o deslocamento das pessoas ou, em outras palavras: a pessoa conseguir se locomover da casa para o trabalho e para onde quiser ou precisar, seja por meios motorizados ou não motorizados. É o que garante, para o conjunto da população, o acesso aos serviços e equipamentos públicos que a cidade oferece, é dizer: o direito à cidade. O acesso à saúde e educação é impossível sem mobilidade abundante e barata.
    Em uma cidade como São Paulo, cuja frota tem mais de 7 milhões de carros, ficar parado no trânsito já é coisa banal. O paulistano gasta, em média, 2h49 (duas horas e quarenta e nove minutos!) por dia para se deslocar. No último dia 02 de setembro, São Paulo alcançou a marca recorde de 220 quilômetros de congestionamento. Além de causar perdas irreparáveis na qualidade de vida da população, as horas desperdiçadas com o trânsito geram prejuízos bilionários às empresas e à cidade, entre as perdas na logística e o aumento dos gastos em saúde por conta de acidentes e poluição.
    Ainda assim, o governo segue a cartilha da indústria automobilística e seus sindicatos: a cada R$ 12 gastos em incentivos ao transporte particular, o governo investe R$ 1 em transporte público, conforme mostrou o estudo sobre mobilidade urbana do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. O instituto atribui a piora no trânsito a esta relação de investimentos. Por sua vez, a população nutre o velho sonho de consumo americano: quem pode continua comprando carros. Há, aqui, um aparente paradoxo: as pessoas usam carros porque não há um transporte público de qualidade ou não há um transporte público de qualidade porque se fomenta prioritariamente o uso dos carros?
    O modelo que difundiu, priorizou e transformou o automóvel em objeto de desejo remonta ao início do século XX, nos Estados Unidos, ainda hoje imitado pelo Brasil. Seu efeito principal foi o sucateamento do transporte público coletivo: fim dos bondes, pouco investimento em trens e metrô, nenhum investimento em ciclovias. Quanto aos ônibus – meio de transporte mais utilizado pelos brasileiros, a entrega das concessões de exploração comercial deste serviço público a máfias empresariais (a maioria sem licitação) prestam um desserviço à população. No caso paulistano, os subsídios dados pela prefeitura às empresas e o aumento das tarifas muito acima da inflação carecem de justificativa por parte do prefeito Gilberto Kassab (ex- DEM), que a justiça paulista pediu em março deste ano.
    No Brasil, o uso do transporte individual ocupa mais de 80% das vias, mas serve apenas 27% das pessoas. Isto significa que 73% dos deslocamentos (a soma de transporte público coletivo, deslocamentos a pé e por bicicleta) tem que disputar 20% do espaço que resta nas vias. Assim, aqueles que não podem ou não querem usar carros nos seus deslocamentos enfrentam os efeitos do congestionamento causado pelos privilégios dados ao automóvel; porém, quem usa automóvel também não desfruta da facilidade de deslocamento desejável.
    Na cultura do automóvel, se investe mais em ampliação de vias, construção de pontes e asfaltamento do que nas calçadas, expansão do metrô, quantidade e qualidade dos ônibus e ciclovias. Ocorre que o espaço físico na cidade é limitado: não há tempo, recursos ou viabilidade para investir no viário no mesmo ritmo em que aumenta a frota de veículos. Ainda que houvesse, o volume de automóveis (em crescimento a 10% ao ano) não poderia caber em ruas e avenidas, por mais numerosas e largas que fossem. O modelo é insustentável.
    Neste sentido, o problema do trânsito parece não ter solução. Porém, há incontáveisexemplos de práticas e medidas já adotadas por cidades ao redor do planeta, que se não podem ser imitadas, servem de inspiração para outra cultura de mobilidade. Pensar o trânsito é pensar todos os modos de deslocamento de maneira integrada, ou seja, uma rede de calçadas, corredores de ônibus, linhas de metrô, ciclovias, VLTs e, – por que não? – automóveis.
    Cidades na França, Espanha, Dinamarca, Alemanha, Indonésia, Colômbia e Inglaterra, além da Holanda e mesmo no Brasil, elaboraram planos de mobilidade para implementar soluções que transformaram a relação da população com o espaço urbano. Algumas experiências de sucesso consistiram em restringir e reduzir o acesso de veículos particulares em determinadas áreas centrais, ao mesmo tempo que se abriu espaço nestas vias para os demais meios de transporte.
    Opções políticas neste sentido tem que considerar (inventar, imaginar, arriscar) medidas simples de grande impacto, como a pintura de faixas e sinalização, na inversão de prioridades de avenida como por exemplo a 23 de Maio, em São Paulo. Uma calçada bem cuidada, uma pista exclusiva para as bicicletas, uma para os ônibus, e três pistas para os carros poderiam significar maior rapidez de deslocamento, uma vez que haveria espaço para todos. Tal inversão seria, na prática, aquilo que o Código de Trânsito Brasileiro já determina em teoria: primeiro os pedestres, seguidos pelos ciclitas, o transporte público coletivo e, por último, o transporte particular motorizado.