domingo, 18 de agosto de 2013

A Arrogância Ocidental

A extrema arrogâcia do Império: a espionagem universal

18/08/2013
O sequestro do Presidente da Bolívia Evo Morales, impedindo que seu avião sobrevoasse o espaço europeu e  a revelação da espionagem universal por parte dos órgãos de informação e controle do governo norteamericano (NSA) nos levam a refletir sobre um tema cultural de graves consequências: a arrogância. Os fatos referidos mostram a que nível chegou a arrogância dos europeus forçadamente alinhados aos EUA. Somente foi superada pela arrogância pessoal de Hitler e do nazismo. A arrogância é um tema central da reflexão grega de onde viemos. Modernamente foi estudada com profundidade por um pensador italiano com formação em economia, sociologia e psicologia analítica, Luigi Zoja, cujo livro foi lançado no Brasil:”História da Arrogância”(Axis Mundi, São Paulo, 2000).
Neste livro denso, se faz a história da arrogância, nas culturas mundiais, especialmente na cultura ocidental. Os pensadores gregos (filósofos e dramaturgos) notaram que a racionalidade que se libertava do mito vinha habitada por um demônio que a levaria a conhecer e a desejar ilimitadamente, num processo sem fim. Esse energia tende a  romper todos os limites e terminar na arrogância, no excesso e na desmedida, o verdadeiro pecado que os deuses castigavam impidosamente. Foi chamada  de hybris: o excesso em qualquer campo da vida humana e de Nemesis o princípio divino que pune a arrogância.
O imperativo da Grécia antiga era méden ágan: “nada de excesso”. Tucídides fará Péricles, o genial político de Atenas, dizer: “amamos o belo mas com frugalidade; usamos a riqueza para empreendimentos ativos, sem ostentações inúteis; para ninguém a pobreza é vergonhosa, mas é vergonhoso não fazer o possível para superá-la”. Em tudo buscavam a justa medida e autocontenção.
A  ética oriental, budista e hindu, pregava a imposição de limites ao desejo. O Tao Te King já sentenciava:”não há desgraça maior do que não saber se contentar”(cap.46); “teria sido melhor ter parado antes que o copo transbordasse”(cap.9).
A hybris-excesso-arrogância é o vício maior do poder, seja pessoal, seja de um grupo, de  uma ideologia ou de um Império. Hoje essa arrogância ganha corpo no Império nortemericano que a todos submete e no ideal do crescimento ilimitado que subjaz à nossa cultura e  à economia política.
Esse excesso-arrogância chegou nos dias atuais a uma culminância em duas frentes: na vigilância ilimitada que consiste na capacidade de um poder imperial controlar, por sofisticada tecnologia cibernética, todas pessoas, violar os direitos de soberania de um país e o direito inalienável à privacidade pessoal. É um sinal de fraqueza e de medo, pois o Império não consegue mais convencer com argumentos e atrair por seus ideais. Então precisa usar a violência direta, a mentira, o desrespeito aos direitos e aos estatutos consagrados internacionalmente. Ou então as desulpas pífias e nada convincentes do Secretarário de Estado norteamericano quando visitou, há dias, o Brasil. Segundo os grandes historiadores das culturas, Toynbee e Burckhard, estes são os sinais inequívocos da decadência irrefreável dos Impérios. Nada do que se funda sobre a injustiça, a mentira e a violação de direitos se sustenta. Chega o dia de sua verdade e de sua ruína. Mas ao afundarem causam estragos inimagináveis.
A segunda frente da hybris-excesso reside no sonho do crescimento ilimitado pela exploração desapiedada dos bens e serviços naturais. O Ocidente criou e  exportou para todo mundo este tipo de crescimento, medido pela quantidade de bens materiais (PIB). Ele rompe com a lógica da natureza que sempre se autoregula mantendo a interdependência de todos com todos e a preservação da teia da vida. Assim uma ávore não cresce ilimitadamente até o céu; da mesma forma o ser humano conhece seus limites físicos e psíquicos. Mas esse projeto fez com que o ser humano impusesse à natureza a sua regulação arrogante que não quer recohecer limites: assim consome até adoecer e, ao mesmo tempo procura a saúde total e a imortalidade biológica. Agora que os limites da Terra se fizeram sentir, pois se trata de um planeta pequeno e doente, força-o com novas tecnologias a produzir mais. A Terra se defende criando o aquecimento global com seus eventos extremos.
Com propriedade diz Soja:”o crescimento sem fim nada mais é que uma ingênua metáfora da imortalidade”(p.11). Samuel P. Huntington em seu discutido livro O choque de Civilizações(Objetiva 1997) afirmava que a arrogância ocidental constitui “a mais perigosa fonte de instabilidade e de um possível conflito global num mundo multicivilizacional” (p.397).
Esta ultrapassagem de todos os limites é agravada pela ausência da razão sensível e cordial. Por ela  lemos emotivamente os  dados, escutamos atentamente as mensagens da natureza e percebemos o humano da história humana, dramática e esperançadora. A aceitação dos limites nos torna humildes e conectados a todos os seres. O Império norteamericano, por uma lógica própria da arrogância dominadora, se distancia de todos, cria desconfianças mas jamais amizade e admiração.
Termino com um conto de Leon Tostoi no estilo de João Cabral de Mello Neto: De quanta terra precisa um homem?  Um homem fez um pacto com o diabo: receberia toda a terra que conseguisse percorrer a pé. Começou a caminhar dia e noite, sem parar, de vale em vale, de monte em monte. Até que extenuado caiu morto. Comenta Tostoi: se ele conhecesse seu limite, entenderia que apenas uns metros lhe bastariam; mais do que isso não precisaria para ser sepultado.
Para serem  admirados os EUA não precisariam mais do que seu próprio território e seu próprio povo. Não precisariam desconfiar de todos e bisbilhiotar  a vida de todo mundo.

http://leonardoboff.wordpress.com/2013/08/18/a-extrema-arrogacia-do-imperio-a-espionagem-universal/

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Nunca é por causa da demografia [ Fernando Fernandez 'n O Eco ]

Coitada da demografia, não acerta nunca...

Décadas atrás, quando a população crescia rápido demais, foram atribuídas à demografia uma série de problemas sociais e ambientais - mas pouca gente acreditou. Agora, que o crescimento populacional desacelerou, muitos dos efeitos econômicos e sociais dessa desaceleração, preditos há décadas, aconteceram - mas novamente, ninguém fala que é por causa da demografia. Pode ser por causa de qualquer coisa, menos dela. A demografia é tabu.

A explosão demográfica e o alerta do Clube de Roma


Em 1970 e 1972, o Clube de Roma alertou que o crescimento populacional nas taxas da época traria desastrosos efeitos sociais e inclusive ambientais.
Vamos rever rapidamente alguns dos acontecimentos das últimas décadas. No pós-guerra, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, a população mundial crescia de forma exponencial, num ritmo extremamente rápido, de mais de 2% ao ano. Como demonstrado recentemente aqui em ((o))eco por meu colega e amigo Carlos Gabaglia Penna, essas taxas de crescimento eram centenas de vezes mais altas que as experimentadas pela humanidade durante a maior parte de sua história. Naquelas décadas, a miséria, a fome e as desigualdades sociais aumentaram brutalmente em grande parte do mundo. Isso aconteceu de forma especialmente trágica nos países onde o crescimento populacional foi mais rápido, os quais correspondiam quase com exatidão ao que chamávamos de “terceiro mundo”. A China, por exemplo, tinha uma população em explosivo crescimento, e um padrão de vida baixíssimo, quase miserável. A renda per capita da China na década de sessenta estava abaixo das Filipinas, do Vietnã, do Egito, do Paraguai e do Sudão, e próxima às do Haiti, Paquistão e Etiópia. Naquela época ninguém sequer pensaria em falar da China como uma potência mundial - era, pelo contrário, citada como exemplo de país subdesenvolvido.

Naquela época, diversas vozes começaram a alertar que o crescimento populacional explosivo era a maior causa daqueles problemas - embora, obviamente, não a única. O ecólogo Paul Ehrlich falou da “ bomba populacional” em 1968. O geógrafo francês Yves Lacoste definiu subdesenvolvimento como “uma situação caracterizada por uma distorção durável (ou uma tendência à distorção) entre um crescimento demográfico relativamente intenso e um aumento relativamente fraco dos recursos de que dispõe a população”. Em 1970 e 1972, o Clube de Roma - um grupo de cientistas e intelectuais reunidos na capital italiana - alertou que o crescimento populacional nas taxas da época traria desastrosos efeitos sociais e inclusive ambientais, por causa da escalada da poluição. A desaceleração do crescimento populacional seria uma condição imprescindível para que os países de terceiro mundo pudessem sair do subdesenvolvimento e resolver seus imensos problemas.

O nascimento do tabu

Os alertas tiveram muito impacto na época, mas foram rapidamente esquecidos. A questão demográfica voltou a ser quase ignorada, varrida para baixo do tapete. Boa parte disso se deveu à demonização da idéia por parte de muito das ciências sociais, que associaram o alerta sobre a explosão demográfica às idéias de Thomas Malthus, do final do século XVIII. Se alguém alguma vez chamar você de “neomalthusiano”, é hora de partir para a briga - esse é um dos piores xingamentos disponíveis no arsenal dos cientistas sociais.

É bem verdade que a obra de Malthus, embora fosse útil para apontar o problema, possuía argumentos matemáticos simplistas. No entanto, seria ingênuo pensar que as idéias dele foram tão enfaticamente rejeitadas por causa de seu conteúdo científico. Na verdade, foram rejeitadas por causa do incômodo com as possíveis soluções. Ninguém conseguia conceber uma solução adequada para estabilizar o crescimento populacional rapidamente numa sociedade democrática, sem ferir alguns de nossos valores mais caros a respeito de direitos humanos. Diante do violento impasse - percepção do problema populacional, mas repulsão com os meios disponíveis para resolvê-los - muita gente preferiu adotar a solução mais simples: ignorar o problema, fingir que ele não existia. Nascia o tabu.

O crescimento populacional se desacelerou quase sozinho

Na grande maioria dos casos, as sociedades reduziram sozinhas seu crescimento populacional, como consequência de mudanças nelas mesmas.
Então, aos poucos, uma coisa inesperada foi acontecendo. O crescimento populacional foi se desacelerando, devagar, paulatinamente. Hoje, a população mundial cresce cerca de 1,1% ao ano, ou seja, metade das taxas do início da década de 1960. Na maioria dos casos, o crescimento se desacelerou “sozinho”, quer dizer, sem que houvesse qualquer esforço significativo dos governos nacionais para isso. Uma série de mudanças nas sociedades humanas, incluindo urbanização, maior participação feminina no mercado de trabalho, a pílula e a revolução sexual, foram reduzindo lentamente as taxas de crescimento. Houve também campanhas de algumas organizações internacionais e ONGs para reduzir a natalidade em vários países, mas tais ações tiveram uma contribuição relativamente pequena para a desaceleração. Na grande maioria dos casos, as sociedades reduziram sozinhas seu crescimento populacional, como consequência de mudanças nelas mesmas.

A exceção, quanto a como se deu o processo, foi a China. Lá, o crescimento populacional foi desacelerado graças a uma rigorosa política governamental de filho único, implantada de forma autoritária, por um governo autoritário. Não concordo com os métodos empregados pela China, nem acho que eles devam servir de modelo para qualquer país. Mas esqueçamos por um momento como a China alcançou a desaceleração, e olhemos por um momento para o que aconteceu. O crescimento desacelerou muito mais rápido na China que na maior parte dos outros países. Em algumas décadas a população chinesa deixou de crescer centenas de milhões de pessoas - alguns Brasis - que teriam sido acrescentados à sua população se as taxas de 1960 tivessem sido mantidas. De repente a China - surpresa, surpresa - se torna uma das maiores potências mundiais!

Surpresa chongas de pitibiriba. O Clube de Roma tinha cantado a pedra quarenta anos atrás!

O bônus demográfico nas versões chinesa e brasileira

O que está acontecendo, em grande parte, é que a China está passando por uma fase conhecida como bônus demográfico. Esta fase é típica de países que desaceleraram seu crescimento populacional recentemente. A população já não tem uma proporção de jovens tão grande quanto tinha décadas atrás. Por outro lado, como a desaceleração ainda é relativamente recente, a proporção de idosos também não é tão alta. Com relativamente poucas crianças e poucos idosos, a sociedade pela primeira vez em muito tempo consegue lidar melhor com as demandas da educação, saúde, e por aí vai. Além disso, maior parte da população está em plena idade produtiva. Numa população assim, é difícil que a renda per capita não suba.

A população chinesa foi quase estabilizada, como se dizia décadas atrás que era o passo crucial para a China conseguir se desenvolver. Pouco tempo depois, embora ainda esteja longe de ser um país rico, verifica-se que ocorreram imensos avanços econômicos e sociais, e a China torna-se potência mundial. Coincidência? Pode ter certeza que nem um pouquinho. Mas mesmo agora, ninguém fala da demografia! Fala-se de economia, circunstâncias de mercado, esquecendo-se do bônus demográfico, que certamente não é a única causa, mas é pelo menos uma das causas principais do “milagre chinês”. Pobre demografia! Nem quando ela faz coisas boas alguém lembra dela.

É óbvio que o Brasil, assim como os demais emergentes, está passando pelo bônus demográfico agora, e grande parte do nosso bom momento econômico é devido a isso. 
E o Brasil? O Brasil, como vários dos chamados “emergentes”, entre eles Rússia, Índia, Chile e Coréia do Sul, também reduziu drasticamente as suas taxas de crescimento demográfico. Em comparação com a China, nesses países o processo foi mais recente e mais “natural” - isto é, não autoritário, mostrando que a estabilização é possivel sem autoritarismo. De repente - surpresa, surpresa - esses países chegam a uma fase de relativa prosperidade econômica, e mostram avanços em seus problemas sociais. É óbvio que o Brasil, assim como os demais emergentes, está passando pelo bônus demográfico agora, e grande parte do nosso bom momento econômico é devido a isso. Mas se você duvida do papel da demografia, vá ver as taxas de crescimento populacional dos países que claramente não saíram do subdesenvolvimento e continuam assolados por problemas sociais cada vez mais insolúveis. Boa parte dos países da África sub-saariana, o Haiti e o Afeganistão, entre outros, mantiveram crescimentos populacionais altos e têm hoje as maiores taxas do mundo. Coincidência? Não abuse da minha capacidade de acreditar em coincidências.

No entanto, no Brasil também quase não se fala em bônus demográfico. Nossos governantes se gabam de, com suas políticas sociais, ter tirado milhões de famílias da pobreza. Porém, a pobreza é definida como renda familar per capita abaixo de um certo valor. Como os filhos de modo geral não geram renda, é óbvio que a mera diminuição do número médio de filhos por família puxa a renda familiar per capita de milhões de famílias para acima da linha da pobreza. Numa sociedade com a fertilidade caindo rapidamente, isso dificilmente teria como não ocorrer, mesmo na ausência de qualquer política social. Mas que político já explicou isso? Eles preferem faturar às custas do bônus demográfico como se fôsse um resultado de suas próprias atuações.

Então os problemas demográficos estão resolvidos?

Neste ponto poderíamos pensar que com a desaceleração do crescimento da população mundial, e vários países em situação de bônus demográfico – duas boas notícias sem dúvida - a questão populacional estaria perdendo sua importância. Mas essse seria um imenso e trágico erro. A situação atual não nos dá, de forma nenhuma, razão para complacência.

Hoje o problema do crescimento rápido da população mundial está sendo substituído por outro, talvez até mais grave: o da superpopulação em si. Gostemos ou não de perceber isso, já vivemos em um mundo superpovoado. Somos sete bilhões, e a desaceleração em curso não é rápida o suficiente para estabilizar a população global antes de chegarmos a nove bilhões. Agora imagine esses bilhões de pessoas multiplicados por uma cultura consumista e desperdiçadora, e o efeito disso é que o planeta está sendo submetido a uma pressão tão gigantesca que não pode aguentar por muito mais tempo. As consequências da dobradinha desastrosa de superpopulação e superconsumo se tornam mais óbvias a cada dia, na perda de biodiversidade, nas mudanças climáticas, e no colapso de serviços ambientais dos quais precisamos para uma qualidade de vida mínima. Hoje é a natureza que está dando o alarme, mas não se iluda que a prosperidade econômica possa estar dissociada das questões ambientais mesmo a curto prazo.

Além disso, cabe lembrar que há a conta a ser paga pelo bônus demográfico: o envelhecimento da população nas próximas gerações. Uma baixa fertilidade hoje significa uma população com uma alta proporção de idosos amanhã, e isso é um gigantesco problema para as economias, por exemplo para os sistemas de previdência social. Não é à toa que as economias de países com populações envelhecidas - especialmente os países europeus e o Japão - perderam todo seu vigor e hoje tem imensas dificuldades para se manter competitivos diante dos emergentes. Como vamos sair disso não é simples, mas uma coisa é certa: vamos ter que olhar para a demografia com muita atenção.

Hora de rever os conceitos

Nesse ponto, é importante lembrar que as mudanças demográficas pelas quais as populações têm passado certamente não são as únicas causas de fenômenos tão complexos como miséria, surtos de prosperidade ou perda de competitividade internacional, em um mundo tão complexo. Mas a demografia tem fornecido explicações poderosas, que nos ajudam muitíssimo a entender como o mundo se tornou o que é, as transformações pelas quais ele está passando, e como podemos lidar com problemas previsíveis no futuro. Não é sábio que continuemos a ter barreiras contra uma visão tão útil do mundo. Se você acha que nunca é por causa da demografia, então é hora de rever seus conceitos. Nos livrarmos desse tabu nos abre para percepções do mundo das quais nesse momento, mais que nunca, precisamos.


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http://www.oeco.org.br/fernando-fernandez