segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Educação Ambiental Autopoiética & Redes de Conversações




Educação Ambiental autopoiética em redes de conversações na vida cotidiana

Soler Gonzalez1 Andreia Teixeira Ramos2

RESUMO Este texto-vida é um exercício coletivo com os movimentos de pensar o potencial do ambiental na Educação, com inspirações nos estudos do biólogo chileno Humberto Maturana, que nos fez apostar nas Educações Ambientais Autopoiéticas, tecidas com as redes de conversações na vida cotidiana. Queremos colocar à mesa de discussão a Biologia do Conhecer, ressaltando a noção de autopoiese, e a Biologia do Amor, destacando a potência das conversas, como atitude metodológica, ética, estética e de política cognitiva e de narratividade. É também um convite aos encontros com os campos problemáticos de duas pesquisas cartográficas em EA com os cotidianos da Baía de Vitória/ES, áreas de manguezais, matas, comunidades ribeirinhas, bandas de congo, conflitos, carnavais, amores, convivências e culturas capixabas. O desejo das pesquisas foi acompanhar processos e movimentos das Educações Ambientais Autopoiéticas que não se capitalizam, rizomáticas, que não se guardam, pós-modernas, inventivas, menores, pós-coloniais, dos trópicos, dos que vêm das margens, dos infames, que descolonizam os pensamentos e que nos devoram. Os objetivos das pesquisas foram cartografar e problematizar os saberesfazeres socioambientais que emergem com as redes de conversações e com as relações de convivência entre os sujeitos praticantes dos cotidianos, no exercício de aceitação do outro como legítimo outro junto a nós na amorosidade negociando as tensões da vida cotidiana. Na produção de dados das duas pesquisas, utilizamos diários de campo, fotografias, conversas autorizadas e transcritas, deslocando a “sustentabilidade” praticada em discursos oficiais e pelo mercado verde, para o sustentabilizar como domínio de ação na convivência. Este texto-vida desejou potencializar as dimensões das Educações Ambientais Autopoiéticas e ventilar os possíveis no devir cotidiano, num movimento de rasurar, rachar as coisas, rachar as palavras e de jamais interpretar, num movimento de experimentar as dobras e redobras na vida cotidiana.

Palavras-chave: Educação ambiental autopoiética, redes de conversações, cotidianos.

http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/txra/article/viewFile/1129/874

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Cartografias das práticas cotidianas em educação ambiental em Aracruz/ES: problematizando saberesfazeres socioambientais na atualidade. 

Resumo: A pesquisa em andamento apresenta uma cartografia dos “possíveis” das práticas cotidianas em Educação Ambiental (EA) no município de Aracruz/ES, problematizando potencialidades políticas, éticas e estéticas dos saberesfazeres socioambientais na atualidade em prol de sustentabilidades locais. Tem inspirações no método da Cartografia, com narrativas, em redes de conversações nos cotidianos escolares e comunitários. Os dados produzidos reúnem registros fotográficos, pesquisas documentais e conversas, com movimentos sociais, órgãos públicos e educadores/as envolvidos com a EA. Com a composição da cartografia, evidenciamos alguns movimentos “possíveis” na atualidade: atenção e escutas sensíveis às manifestações culturais locais; singularidades socioambientais das Aldeias Indígenas; Áreas de Preservação Ambiental; produção de conhecimentos com experiências e redes de conversações cotidianas nos grupos escolares e comunitários envolvidos com a EA, relações locais sustentáveis, e, formação de educadores/as ambientais.

Palavras-Chave: Educação Ambiental autopoiética, Práticas cotidianas, redes de conversações.

http://www.epea.tmp.br/epea2013_anais/pdfs/plenary/0038-1.pdf

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GONZALEZ, S. Educação Ambiental Autopoiética com as práticas do bairro Ilha das Caieiras entre os manguezais e as escolas. 2013. 159 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2013
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http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/txra/article/viewFile/1129/874

 Educação Ambiental autopoiética em redes de conversações na vida cotidiana Soler Gonzalez1 Andreia Teixeira Ramos2 RESUMO Este texto-vida é um exercício coletivo com os movimentos de pensar o potencial do ambiental na Educação, com inspirações nos estudos do biólogo chileno Humberto Maturana, que nos fez apostar nas Educações Ambientais Autopoiéticas, tecidas com as redes de conversações na vida cotidiana. Queremos colocar à mesa de discussão a Biologia do Conhecer, ressaltando a noção de autopoiese, e a Biologia do Amor, destacando a potência das conversas, como atitude metodológica, ética, estética e de política cognitiva e de narratividade. É também um convite aos encontros com os campos problemáticos de duas pesquisas cartográficas em EA com os cotidianos da Baía de Vitória/ES, áreas de manguezais, matas, comunidades ribeirinhas, bandas de congo, conflitos, carnavais, amores, convivências e culturas capixabas. O desejo das pesquisas foi acompanhar processos e movimentos das Educações Ambientais Autopoiéticas que não se capitalizam, rizomáticas, que não se guardam, pós-modernas, inventivas, menores, pós-coloniais, dos trópicos, dos que vêm das margens, dos infames, que descolonizam os pensamentos e que nos devoram. Os objetivos das pesquisas foram cartografar e problematizar os saberesfazeres socioambientais que emergem com as redes de conversações e com as relações de convivência entre os sujeitos praticantes dos cotidianos, no exercício de aceitação do outro como legítimo outro junto a nós na amorosidade negociando as tensões da vida cotidiana. Na produção de dados das duas pesquisas, utilizamos diários de campo, fotografias, conversas autorizadas e transcritas, deslocando a “sustentabilidade” praticada em discursos oficiais e pelo mercado verde, para o sustentabilizar como domínio de ação na convivência. Este texto-vida desejou potencializar as dimensões das Educações Ambientais Autopoiéticas e ventilar os possíveis no devir cotidiano, num movimento de rasurar, rachar as coisas, rachar as palavras e de jamais interpretar, num movimento de experimentar as dobras e redobras na vida cotidiana. Palavras-chave: Educação ambiental autopoiética, redes de conversações, cotidianos. 1 Geógrafo. Mestre e Doutor em Educação pela Universidade do Espírito Santo. Professor Adjunto do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. solergonzalez2011@gmail.com 2 Pedagogoa. Mestre em Educação Pela Universidade Federal do Espírito Santo. andreiatramos.ea@gmail.com Textura, n.30, jan./abr.2014 87 Autopoietic Environmental Education in conversation webs of everyday life ABSTRACT This text-life is a collective exercise with the movements of thinking the environmental potential in Education, inspired by the studies of Chilean biologist Humberto Maturana, who made us bet on Autopoietic Environmental Education, woven with network conversations in everyday life. We want to discuss the Biology of Cognition, emphasizing autopoiesis, and the Biology of Love, highlighting the power of conversation, as methodological, ethical, aesthetics attitude and as cognitive and narrative policy. It is also a invitation to the meetings of questioning two cartographic research in Environmental Education (EE) with everyday from Baía de Vitória/ES, and mangrove areas, forests, riparian communities, congo bands, conflicts, carnivals, loves, cohabitation and capixabas cultures. The desire of the research was to monitor processes and movements of Autopoietic EE that do not capitalize, rhizomatic, which cannot be kept, postmodern, inventive, minor, postcolonial, from tropics, from those who come from the margins, from infamous, that decolonize thoughts and devour us. The objectives of the research were to map and discuss the emerging environmental knowledge-doings with network of conversations and relationships of coexistence between everyday practitioners, in the exercise of acceptance of the other as a legitimate other with us in loveliness and negotiating the stresses of everyday life. In the two surveys, during the data production, we used field diaries, photographs, authorized and transcribed conversations, moving the “sustainability” practiced in official speeches and in green market, to the sustainabilize as field of action in living. This text-life wished enhance the dimensions of Autopoietic EE and ventilate possible in daily becoming, a movement of erasing, break words and things and never interpret, in a movement of experience the folds and pleats in everyday life. Keywords: Autopoietic Environmental Education, network conversations, everyday. O abandono do lugar me abraçou de com força. E atingiu meu olhar para toda a vida. Tudo que conheci depois veio carregado de abandono. Não havia no lugar nenhum caminho de fugir. A gente se inventava de caminhos com as palavras. A gente era como um pedaço de formiga no chão. Por isso o nosso gosto era só de desver o mundo. (Manoel de Barros) Este texto-vida é um exercício coletivo de deslizar, com inspirações nos estudos do biólogo chileno Humberto Maturana, que nos fez pensar e apostar no potencial da Educação Ambiental (EA) Autopoiética, em redes de conversações tecidas entre os cotidianos nos movimentos de invenção de si e de outros mundos, articulando a vida cotidiana, seus rastros, gentes, sabores, gestos, risos, saberes, poesias, fazeres, sons, lágrimas e poderes. Textura, n.30, jan./abr.2014 88 O texto-vida mergulha nas poesias de Manoel de Barros,3 no exercício de escrever e “desver o mundo” e tentar “pegar a semente da palavra” com as conversas, em suas dimensões éticas, estéticas e de uma política cognitiva e de narratividade libertária da vida. É também um convite aos encontros e movimentos com os campos problemáticos de duas pesquisas4 em EA, com inspirações no método cartográfico e nos estudos com os cotidianos. Campos problemáticos de pesquisas marcados por lendas, mitos e histórias que inundam a Baía de Vitória/ES, seu pôr do sol, os montes Moxuara e Mestre Álvaro, as áreas de manguezais, praias, matas, comunidades ribeirinhas, bandas de congo, compondo uma corrente atmosférica de imaginários, conflitos, tensões, carnavais, amores, convivências e culturas capixabas, movendo-nos aos movimentos de pensar a potência do ambiental na Educação. Bons encontros! Educações Ambientais em redes de conversações! Autoprodução de si e de mundos! EA Autopoiética! Questões problematizadoras5 inflamando o caminhar e o praticar a pesquisa em EA. “Nosso conhecimento não era de estudar em livros. Era de pegar, de apalpar e de ouvir e de outros sentidos”. Nossa aposta metodológica de pesquisa é acompanhar processos com as conversas entre fluxos, encontros, narrativas, linhas, formas, forças, entrando nas travessias e deixando-nos atravessar por elas. Travessias entremeadas por Educações Ambientais Autopoiéticas rizomáticas, que não se capitalizam, escapando às forças, às pedagogias de diminuição do outro, às verdades científicas absolutas, aos projetos prontos, às leis e formas de controle dos 3 Ao longo do texto utilizaremos alguns fragmentos das poesias de Manoel de Barros (BARROS, 2010) para compor o texto-vida. 4 Esse texto-vida possui fragmentos de duas pesquisas, dissertação de mestrado em Educação “Educação Ambiental entre os carnavais dos amores com os mascarados do Congo de Roda D’Água” (RAMOS, 2013) e a tese de doutorado em Educação “Educação Ambiental Autopoiética com as práticas do bairro Ilha das Caieiras entre os manguezais e as escolas” (GONZALEZ, 2013), ambas realizadas no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES/CE/PPGE). 5 Revel (2005, p. 71) destaca que “[...] o termo problematização implica duas consequências. De um lado, o verdadeiro exercício crítico do pensamento se opõe à ideia de uma busca metódica da ‘solução’: a tarefa da filosofia não é, portanto, a de resolver – inclua-se: substituir uma solução por uma outra – mas a de ‘problematizar’, instaurando uma postura crítica e retomando os problemas. De outro lado, esse esforço de problematização não é um anti-reformismo ou um pessimismo relativista”. Textura, n.30, jan./abr.2014 89 corpos, dos tempos, dos lugares, dos afetos, dos conflitos e dos imaginários da VIDA. “A gente era como um pedaço de formiga no chão”. Conversamos, praticamos e deglutimos múltiplas apostas epistemológicas e metodológicas em EA, deslocando-nos aos sentimentos de incertezas e desejando outros modos de caminhar, no intuito de ventilar, furar e rachar as certezas na vida cotidiana, com o campo problemático de nossas pesquisas, no exercício de curiosear, que, segundo Foucault (2006, p. 196), “[...] é o único tipo de curiosidade que, vale a pena ser praticada com um pouco de obstinação: não aquela que busca se assimilar ao que convém conhecer, mas a que permite desprender-se de si mesmo”. As pesquisas que alimentaram este texto-vida foram atravessadas pelo curiosear em convivências amorosas, conversas, seminários, eventos, congressos, formação de professores/as, criando encontros, desencontros, reencontros rizomáticos, um fio puxando o outro, e, como dizia Deleuze (1992), “cada um, como um todo já é muitos... sempre se trabalha em vários”. Nessas travessias, fomos afetados por vários... E, em nosso encontro com Maturana, aprendemos que “conhecer é viver, viver é conhecer”, e que produzimos, desde nossos ancestrais, modos de vida como seres amorosos no conviver e compartilhar alimentos e cuidados, acoplando-nos as realidades e constituindo a Biologia do Conhecer, com a noção de Autopoiese, que vem do grego: autós, próprio; poieu, poiein, poiesis, faço, fazer, o feito, é a produção de si mesmo, autofazimento que ocorre em redes de conversações. Tudo o que ocorre no fluir do viver de um ser vivo ocorre como um contínuo resultar no presente cambiante contínuo da contínua realização de sua autopoiese segundo seu modo particular de viver como organismo no âmbito relacional (nicho) em que opera como totalidade. No caso dos seres humanos, seu modo particular de viver é o conversar, isto é, um conviver em coordenações de coordenações de fazeres e emoções, e tudo o que os seres humanos fazem ocorre em redes de conversações (MATURANA, H.; YÁÑEZ, X., 2009, p. 152). Nos movimentos do curiosear na vida cotidiana, fomos movidos por algumas problematizações em nossas pesquisas em EA: como pensar nos movimentos de uma EA Autopoiética entre redes de conversações, no exercício de aceitação do outro como legítimo outro na convivência, Textura, n.30, jan./abr.2014 90 negociando tensões e conflitos de modo amoroso, em nossa cultura contemporânea? Pensando com Maturana, a cultura em nossa vida cotidiana ocorre como uma rede fechada de conversações no entrelaçamento do linguajar e do emocionar, quando os seres humanos de diferentes culturas se encontram, podendo acontecer um encontro criativo, quando há aceitação do outro como legítimo outro na convivência, surgindo uma outra cultura na arte da conversa. Pensamos a EA Autopoiética como domínio cognitivo e ontológico produzido com as redes de conversações nos processos do viver e conhecer dos seres humanos com as coletividades da vida cotidiana. Queremos agora colocar à mesa de discussão a Biologia do Conhecer e a Biologia do Amor, ressaltando a noção de autopoiese e seus entrelaçamentos possíveis com a EA Autopoiética na vida cotidiana. Sem amor, sem aceitação do outro junto a nós, não há socialização, não há humanidade. Qualquer coisa que destrua ou limite a aceitação do outro, desde competição até a posse da verdade, passando pela certeza ideológica, destrói ou limita o acontecimento do fenômeno social. Portanto, destrói também o ser humano, porque elimina o processo biológico que o gera[...]. Descartar o amor como fenômeno biológico do social, bem como as implicações éticas dessa dinâmica, seria desconhecer tudo o que nossa história de seres vivos de mais de três bilhões e meio de anos nos diz e nos legou (MATURANA; VARELA, 1995, p. 269-270). Entrelaçando a Biologia do Conhecer com a Biologia do Amor, apostamos nas conversas como atitude política e metodológica, considerando que nós, seres humanos, existimos na linguagem, no linguajar. 6 Conversar vem do latim, cum - com; e versare - dar voltas com o outro na convivência (MATURANA, 1999). Ao fluir o nosso emocionar num curso que é o resultado de nossa história de convivência dentro e fora da linguagem, mudamos de domínio de ações, e, portanto muda o curso de nosso linguajar e 6 Maturana utiliza o termo “linguajar” e não “linguagem”, reconceitualizando essa noção, enfatizando seu caráter de atividade, de comportamento, evitando, assim, a associação com uma “faculdade” própria da espécie, como tradicionalmente se faz (MATURANA, 2002). Linguajar: neologismo que faz referência ao ato de estar na linguagem sem associar tal ato à fala, como aconteceria com a palavra falar. Textura, n.30, jan./abr.2014 91 de nosso raciocinar. A esse fluir entrelaçado de linguajar e emocionar eu chamo conversar, e chamo conversação o fluir, no conversar, em uma rede particular de linguajar e emocionar (MATURANA, 1999, p. 172). Dessa forma, Maturana entende a conversa como um domínio operacional biológico e ontológico dos seres humanos constituindo cotidianamente redes de conversações na linguagem: “Chamo de conversações as diferentes redes de coordenações entrelaçadas e consensuais de linguajar e emocionar que geramos ao vivermos juntos como seres humanos” (MATURANA, 2006, p. 132). Como mamíferos, vivemos em nossa corporalidade muitos domínios de ações. Em nosso devir evolutivo, aprendemos a coordenar os fluxos emocionais nas ações, como animais linguajantes. Estou chamando de ações tudo o que fazemos em qualquer domínio operacional que geramos em nosso discurso, por mais abstrato que ele possa parecer. Assim, pensar é agir no domínio do pensar, andar é agir no domínio do andar, refletir é agir no domínio do refletir, [...], e assim por diante, e explicar cientificamente é agir no domínio do explicar científico (MATURANA, 2006, p. 128-129). As noções ditas até aqui dissolvem nossos domínios do explicar científico e nos leva a considerar as emoções no devir cotidiano do ser humano, principalmente no fundamento da ética que, para Maturana, passa pelas emoções. A ética não tem suas bases num operar racional, mas, sim, emocional. Desse modo, não é a razão que justifica a preocupação pelo outro, mas sim a emoção. Maturana também traz importantes pistas para pensarmos a potência do ambiental na educação, de modo que nosso domínio de ação do agir seja atravessado por emoções éticas e cooperativas, por culturas de solidariedade e por uma educação que nos permita uma convivência amorosa na vida cotidiana. “Quando o menino ‘e a menina’ disseram que queriam passar para as palavras suas peraltagens até os caracóis apoiaram”. CONTINUANDO A CONVERSA... Invento para me conhecer. Continuamos nossa conversa com Maturana e com seus enunciados científicos que enfatizam que a potência da vida está nas relações éticas entre Textura, n.30, jan./abr.2014 92 seres humanos com outras formas de vida na cultura, cultivada no fluir das conversas, no conviver e compartilhar a vida cotidiana. Destacamos que a discussão de Maturana está circunscrita à sua condição de biólogo, refletindo sobre a ciência como domínio cognitivo gerado como atividade biológica-cultural de invenção humana. Nesse sentido, reforçamos as ideias de Maturana (2006), ao questionar as explicações científicas como uma verdade absoluta, inquestionável e inerente aos discursos da racionalidade moderna, diluindo os pontos de vista e colocando entre parênteses a objetividade das explicações científicas. Apresentamos o trecho do livro Cognição, ciência e vida cotidiana, de Maturana (2006, p. 147): Nós não encontramos problemas ou questões a serem estudados e explicados cientificamente fora de nós mesmos num mundo independente[...]. Então, a ciência, como um domínio cognitivo, existe e se desenvolve como tal sempre expressando os interesses, desejos, ambições, aspirações e fantasias dos cientistas, apesar de suas alegações de objetividade e independência emocional. Suas proposições não pretendem oferecer respostas às dicotomias extremas que caracterizam o pensamento moderno; pelo contrário, suas noções indicam que as histórias dessas distinções é a nossa história como seres biológicos e culturais, e que o jogo das explicações do nosso estar no mundo e na vida cotidiana é um jogo cujas regras forjamos à medida que vamos avançando no jogar. As travessias do curiosear de Humberto Maturana se iniciam em 1928, ano em que nasceu, ingressando no Curso de Medicina em 1948. Logo nos primeiros anos de estudos, como biólogo, pesquisou o funcionamento dos seres vivos, do sistema nervoso e da cognição. Seus estudos nos convidam a mudar o nosso modo de ver, possibilitando outra forma de perceber o ser humano e os seres vivos na cultura da vida cotidiana. Depois de longos anos estudando fora de sua terra natal, Maturana retorna ao Chile em 1960. No início da década de 1970, realiza suas primeiras pesquisas com Varela e que tiveram importantes implicações sociais e éticas com enfoque na cognição. A publicação De máquinas e seres vivos: autopoiese – a organização do vivo (1997) tornou-se um livro fundante da Biologia do Conhecer, indicando a inseparabilidade entre o viver e o conhecer. Alguns dos enunciados científicos desse autor mostram a vida como um Textura, n.30, jan./abr.2014 93 processo de conhecimento, que se constitui na interação dos seres vivos com os outros e com o meio. Viver é conhecer, conhecer é viver! No ano de 2000, Maturana, juntamente com outra pesquisadora, também chilena, Ximena Dávila Yáñes, cria a Fundação do Instituto Matríztico no Chile, promovendo cursos, palestras e oficinas de conversações. A parceria entre os dois pesquisadores pode ser conferida na obra Habitar humano em seis ensaios de biologia-cultural (2009), na qual convidam o/a leitor/a olhar as diversas dimensões do viver e conviver cotidiano, fazendo-nos problematizar a partir das nossas próprias experiências cotidianas e culturais, como somos e o que somos como seres humanos e vivos. Atualmente Maturana e Ximena desenvolvem pesquisas voltadas para a compreensão dos domínios da Matriz Biológica da Existência Humana, trazendo outros elementos problematizadores para pensarmos a Biologia do Conhecer – a autopoiese – com a Biologia do Amor como emoção fundante do ser humano no linguajar. Nos movimentos do curiosear em nossas travessias(suras) políticas, éticas, estéticas, metodológicas e epistemológicas, fomos alimentados com pistas e lampejos que nos deslocaram por diferentes modos de caminhar com as Educações Ambientais na contemporaneidade, digerindo ingredientes para pensarmos a potência das Educações Ambientais Autopoiéticas entre redes de conversações. Assim, as travessias do pensamento e da vida do biólogo chileno Humberto Maturana nos movem a pensar e problematizar algumas de suas noções e ideias, que desejamos compartilhar nas linhas a seguir. “Então era preciso desver o mundo para sair daquele lugar imensamente e sem lado. Manoel de Barros”. CONVERSAS ENTRE IDEIAS E NOÇÕES... Ele sabia que as coisas inúteis e os homens inúteis se guardam no abandono. Os homens no seu próprio abandono. E as coisas inúteis ficam para poesia. Desejamos também, com este texto-vida, problematizar as principais noções e ideias desse pensador latino-americano sobre os discursos da ciência moderna, que consideram como verdades absolutas as dualidades corpo/mente, emoção/razão, indivíduo/sociedade, cultura/natureza e objetivo/subjetivo. Textura, n.30, jan./abr.2014 94 Os estudos desse autor descoloniza o pensamento ocidental e racional ao dissolver essas dualidades e ao mostrar que as emoções são fenômenos próprios do reino animal e que o “humano” se constitui no entrelaçamento do racional com o emocional na linguagem, no linguajar, que a linguagem é um fenômeno biológico que surge na história dos hominídeos, constituída e conservada em nossa cultura em relações amorosas e cooperativas no nosso devir evolutivo dos primatas bípedes, que segue qualquer direção na qual mantém o viver. “Aquilo que continua geração após geração como modo de vida é o que de fato define uma linhagem biológica ou cultural – e o que determina no que uma ou outra se transforme em seu devir” (MATURANA; VERDEN-ZOLLER, 2004, p. 248). Ao apresentar argumentos que defendem que nossa racionalidade é constituída no emocionar e no linguajar, Maturana nos faz pensar a razão como fundamento da emoção, e vai mais além ao dizer que nós, humanos, nos constituímos no viver cotidiano no entrelaçamento do racional com o emocional na linguagem, ou seja, é na linguagem que nos tornamos humanos e assumimos nossa condição biológica no compartilhar. Para esse autor, o compartilhar é um elemento que pertence à nossa biologia e não à cultura e nossa sociedade contemporânea marcada por uma cultura que nega o compartilhar e valoriza a cultura patriarcal/matriarcal e a maravilha da competição. Em uma das tantas entrevistas (REVISTA HUMANIDADES, 2004) concedidas, Maturana foi questionado sobre as diferenças entre as culturas patriarcais/matriarcais e a cultura denominada por ele de matríztica. Ele respondeu: A diferença básica reside no fato de a cultura patriarcal/matriarcal estar centrada nas relações de dominação e submissão, exigências, desconfianças e controle. De outro modo, uma cultura matríztica que vem a ser antecessora da cultura patriarcal/matriarcal está centrada em relações de muito respeito e, portanto, de colaboração. Na cultura patriarcal/matriarcal não há colaboração. Quer dizer, pode haver, claro, mas o centro, o fundamental é a relação de dominação e submissão. Segundo Maturana, em nossa sociedade de controle e globalizada, é comum vivenciarmos relações sociais que negam o amor como fundamento emocional da razão e, ao negá-lo, tais relações não poderiam ser consideradas como relações sociais. O autor vem exemplificar esse quadro societal problematizando a competição no âmbito das relações sociais. Textura, n.30, jan./abr.2014 95 Para ele, constituímo-nos histórica e biologicamente como humanos na cooperação, e a competição uma invenção cultural humana, portanto não biológica. “O compartilhar é em nós um elemento que pertence à nossa biologia, não pertence à cultura. Vivemos atualmente uma cultura que nega o compartilhar, porque estamos mergulhados na competição” (MATURANA, 2006, p. 93). Como foi dito, nossa história, como seres humanos e biológicos, não ocorre na competição, como acreditam os adeptos do evolucionismo darwiniano, mas, sim, na conservação de certos modos de vida cooperativos e solidários, ou seja, a competição passa a ser pensada como uma invenção humana e cultural, na qual a emoção central resulta na negação do outro, não existindo, assim, competição sadia — a competição é sempre, constitutivamente, antissocial. Entre encontros e conversas, somos devorados por problematizações. Quais as potências estéticas, éticas e políticas da EA Autopoiética na vida cotidiana? De que maneira a EA Autopoiética com as redes de conversações podem potencializar espaços de convivências comprometidos com relações de cooperação e solidariedade entre as coletividades vivas e não vivas na vida cotidiana? EA dos eventos, gincanas, feiras, mostras culturais nas escolas, indicadores, campanhas, mutirões, reciclagens, maquetes de isopor, coleta seletiva etc., assim como as imagens do pensamento que atravessam nossa sociedade dos clichês, 7 “salve o planeta”, “atitude sustentável”, “consumo sustentável”, “mercado verde”... nos ajudam a problematizar os discursos e práticas pedagógicas, tão familiares em espaços educativos, órgãos públicos, empresariais e comunitários. Esses discursos deslocam em nós, a noção de sustentabilidade como “substantivo”, para pensá-la como verbo, como domínios de ação, ou seja, 7 “Por um lado a imagem está sempre caindo na condição de clichê: porque se insere em encadeamentos sensório-motores, porque ela própria organiza ou induz seus encadeamentos, porque nunca percebemos tudo o que há na imagem, porque ela é feita para isso (para que não percebamos tudo, para que o clichê nos encubra a imagem...) civilização da imagem? Na verdade uma civilização do clichê, na qual todos os poderes têm interesses em nos encobrir as imagens, não forçosamente em nos encobrir a mesma coisa, mas em encobrir alguma coisa na imagem. Por outro lado, ao mesmo tempo, a imagem está sempre tentando atravessar o clichê, sair do clichê” (DELEUZE, 2007, p.32). Textura, n.30, jan./abr.2014 96 sustentabilizar as relações de convivência com as coletividades vivas e não vivas, colocando sob rasura os discursos da sustentabilidade e do mercado verde, que [...] insistem em colonizar, ‘esverdear’ e planificar sustentavelmente nossas vidas; quem sabe alocar uma EA que teime em criar pensamentos, imagens, práticas repletas do desejo de tornarem vivas e potentes todas as formas não monetárias de vida” (GUIMARÃES; SAMPAIO, 2012, p.13). Nossa aposta deseja problematizar, não reformar, mas instaurar uma distância crítica; fazer atuar o “desprendimento”, redescobrir os problemas, no sentido de por-entre-parênteses (MATURANA, 2006) nossos modos de ver o potencial do ambiental na educação, entendendo que nossos territórios existenciais são praticados por Educações Ambientais encarnadas e atualizadas no viver cotidiano. Nesse sentido, para além da competição, nossa concepção ética e política acerca da cooperação nos desloca a pensar outros modos de caminhar possíveis com a EA Autopoiética, diferentes das lógicas individualistas, do “mercado verde”, competitivas, produtivistas, consumistas e de atitudes antiecológicas; caminhos que sejam potentes em alternativas que considerem as relações de aceitação do outro como legítimo outro na convivência. Educações Ambientais Autopoiéticas que não se guardam, pósmodernas (REIGOTA, 2011), pós-coloniais (MAULIN,2013), inventivas (GUIMARÃES, 2010, 2012, 2013), menores (GODOY, 2008), dos trópicos (BARCELOS, 2012, 2013), dos que vêm das margens, dos infames... que descolonizam os pensamentos, que nos devoram e que acontecem nas relações e nas redes de conversações tecidas na vida cotidiana. “A gente gostava das palavras quando elas perturbavam o sentido normal das ideias”. Continuando a conversa, os caminhos propostos por Maturana revolucionam o modo como o discurso da ciência moderna pensa a cognição na vida cotidiana, na medida em que a inteligência deixa de ser entendida como propriedade de alguém iluminado, como nos modelos tradicionais de educação, e passa a ser visto como o que é produzido nas relações. As emoções, como o medo, a ambição, a competição, a violência, o preconceito, restringem a inteligência. “O amor é a única emoção que amplia a inteligência” (MATURANA, 1999). Pousando nas comunidades escolares e em outros espaços de convivências e puxando o fio da emoção do amor como única emoção que Textura, n.30, jan./abr.2014 97 amplia a inteligência, apostamos nas intensidades da vida e nos territórios do brincar, como invenções de si e de mundos, no arejar e ventilar experiências cooperativas amorosas e felizes como modos de conviver. Amor e brincadeira são modos de vidas e relações. São domínios de ações, e não são conceitos nem distorções reflexivas, comportamentos maus ou bons, virtudes ou valores, como dizem Maturana e Verden-Zöller (2011, p. 247) no livro Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano: O amor e a brincadeira não são conceitos nem ideias abstratas na história que nos deu origem. São aspectos de uma forma de vida que se manteve, geração após geração, como uma referência operacional em torno da qual mudou todo o resto, no devir evolutivo da linhagem de primatas à qual pertencemos. Ou seja, o amor e a brincadeira eram formas não-reflexivas de modos de ser mamíferos dos primatas bípedes, que foram nossos ancestrais pré-humanos: simples costumes e maneiras de relacionamento mamífero, cuja conservação como aspectos centrais de seu modo de viver tornou possível a origem da linguagem. Pensando com o autor, queremos aqui considerar a EA Autopoiética com as redes de conversações cotidianas tecidas nos espaços de convivência, entendendo-as como movimentos rizomáticos em que os seres vivos constituem o mundo e são constituídos por ele numa autoprodução, apostando nas relações, no compartilhar, na solidariedade e na aceitação do outro como legítimo outro junto a nós no conviver amoroso, negociando as tensões e os conflitos culturais da vida cotidiana. “Para meu gosto a palavra não precisa significar – só entoar”. Maturana convida-nos a pensar nossa relação da EA Autopoiética como atitude política articulando as dimensões éticas, os afetos e as conversas, dissolvendo fronteiras, dicotomias, classificações, representações e categorias dos modelos de aprendizagem pautados em certezas incontestáveis e binarismos asfixiantes. EA Autopoiética é um exercício político de comprometimento com aprendizagens inventivas e compartilhadas, com solidariedades e cooperações, desejando, assim, espaços de convivência alegres e amorosos. “Não é o conhecimento, mas sim, o conhecimento do conhecimento que cria o comprometimento” (MATURANA; VARELA, 1995, p. 270). Queremos, portanto, com essas ideias, convidá-los a adentrar nessa Oficina do viver e conhecer na amorosidade se distanciando da competição e se aproximando da cooperação, da ética, numa cultura matríztica de Textura, n.30, jan./abr.2014 98 solidariedade e respeito às formas de vida. Desse modo, como nós, educadores/as, podemos potencializar práticas pedagógicas comprometidas politicamente com a cultura da cooperação? E nossas conversas continuam... “Eu sempre guardei nas palavras os meus desconcertos”. CONVERSAS ENTRE DUAS PESQUISAS A maior riqueza do homem é a sua incompletude... Preciso ser Outros... Eu penso renovar o homem usando borboletas. Os estudos de Humberto Maturana foi um potencial criador que alimentou duas pesquisas em EA, com inspirações no método cartográfico e nos estudos com os cotidianos, percorrendo e criando conexões, redes e rizomas, na atitude política e metodológica de acompanhar processos com os seus respectivos campos problemáticos, enredados com os imaginários da Baía de Vitória. Travessias traçadas pelos processos de produção de conhecimentos, apostando nas processualidades e na ampliação da concepção de mundos, nas formas de se conceber o ato de pesquisar. Nesses campos problemáticos de nossas pesquisas, ao longo dos anos de 2011 a 2013, em águas-quentes-clarasfrias-turvas, destacando “[...]que conhecer o caminho de constituição de dado objeto equivale a caminhar com esse objeto, constituir esse próprio caminho, constituir-se no caminho” (BARROS; PASSOS, 2010). São muitas as entradas em uma cartografia, como um mapa-móvel numa rede de conexões, experiências e rizomas. Faça rizoma, não faça raiz, nunca plante! Não semeie, pique! Não seja nem uno nem múltiplo, seja multiplicidades! Faça a linha e nunca um ponto! A velocidade transforma o ponto em linha! Seja rápido, mesmo parado! Linha de chance, jogo de cintura, linha de fuga. Nunca suscite um General em você! Faça mapas (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 48). O rizoma não tem centro, não há regras prontas, nem objetivos previamente estabelecidos, de forma que o desafio metodológico está na reversão do sentido tradicional de método: não mais um caminhar para alcançar metas prefixadas, mas o primado do caminhar que é traçado no percurso. Com isso, as pesquisas cartográficas situam o/a pesquisador/a nas singularidades de conhecer, agir e praticar experiências. Textura, n.30, jan./abr.2014 99 Com as nossas pesquisas problematizamos o fazer-para e apostamos no fazer-com, concebendo as culturas como rizomáticas e pluralizadas, dissolvendo categorias, reducionismos e determinismos que tentam quantificar o ambiental por meio de práticas pedagógicas que enfatizam resultados, desconsiderando os processos e as relações. As pesquisas em EA com os cotidianos (ALVES e GARCIA, 2000, FERRAÇO, 2003), enredadas com as pesquisas cartográficas (BARROS; PASSOS, 2010), estão abertas aos imprevistos, não enquadradas nem aprisionada em modelos, com caminhos múltiplos e fluidos enredados pelos pensamentos do mundo contemporâneo. Nossos desejos com as pesquisas em EA, numa perspectiva cartográfica com os cotidianos escolares, estão em habitar espaços de convivências que intensifiquem experiências cooperativas, amorosas e felizes, por meio das Oficinas culturais e das Oficinas de mapas, tomadas como Oficinas do viver, provocando conexões, fluxos, encontros, cartografias, narrativas, conversas e verdades inacabadas. O método da cartografia pressupõe uma política da narratividade que permita a dissolvência das posições estanques geralmente associadas ao trabalho da pesquisa àquele que conhece e àquilo que é conhecido. Ao abordar, como tema, a escrita de textos de pesquisa, Barros e Passos (2010) apresentam em Por uma política da narratividade, a ideia de que a alteração metodológica proposta pela cartografia exige uma mudança de práticas de narrar. [...] tudo isso implica tomada de posição numa certa política da narratividade. A escolha dessa posição narrativa (ethos da pesquisa) não pode ser encarada como desarticulada das políticas que estão em jogo: [...] políticas de pesquisa, políticas da subjetividade, políticas cognitivas. Toda produção de conhecimento, precisamos dizer de saída, se dá a partir de uma tomada de posição que nos implica politicamente (BARROS; PASSOS, 2010, p.150). Uma narratividade que aposta nos encontros entre os sujeitos das pesquisas e o que se expressa nesses encontros, inspirados no princípio da transversalidade na acepção de Guattari (2004), que nos ajuda a pensar na transversal, “[...] no que diz respeito aos modos de dizer, tomar a palavra em sua força de criação de outros sentidos, é afirmar o protagonismo de quem Textura, n.30, jan./abr.2014 100 fala e a função performativa e autopoiética das práticas narrativas” (BARROS; PASSOS, 2010, p.150). Apostando na transversalidade, com base na frase de Deleuze e Guattari (2003, p. 38), ao afirmarem que somente a expressão nos dá o procedimento, pensamos: que procedimentos metodológicos tomaremos, em se tratando de acompanhamento de processos? De que modo pensar o potencial do ambiental nas pesquisas em Educação, a partir de uma política de narratividade na transversalidade? Na produção de dados das duas pesquisas, utilizamos Diários de Campo, 8 fotografias, conversas autorizadas e transcritas com os sujeitos praticantes dos cotidianos escolares. Os cartógrafos seguiram também os ventos-de-travessias, com os movimentos do rastreio, do toque, do pouso e do reconhecimento atento, capturando as potências do ambiental nos cotidianos escolares, que desestabilizaram concepções modernas, insustentáveis e transcendentais de conhecimentos e de sujeitos. Começaremos com a pesquisa de Ramos (2013), intitulada Educação ambiental entre carnavais dos amores com os mascarados do Congo de Roda D’Água, que teve como objetivo cartografar e problematizar, na atualidade, saberesfazeres socioambientais, das artes de fazer e narrar a produção dos mascarados do Congo de Roda D’água, Cariacica/ES, e os atravessamentos com redes cotidianas escolares e outros espaços de convivência. Consideramos nessa pesquisa, saberesfazeres socioambientais como dispositivos para pensar com a EA. O campo problemático dessa pesquisa está inserido no contexto sociocultural marcado pelo hibridismo entre indígenas, negros e imigrantes europeus. No passado, esse município era desprovido de Áreas de Preservação Ambiental (APA). Atualmente, foram criadas APAs com iniciativas de EA enredadas com as práticas culturais cotidianas locais. Nas inventividades cotidianas, foi nosso desejo acompanhar os processos da produção dos mascarados, personagem secular do município de Cariacica, como prática cultural. A pesquisa faz um zoom com atenção maior no personagem singular e ilustre do congo da região. Nas travessias com os movimentos metodológicos, 8 As conversações foram gravadas, transcritas e problematizadas de acordo com os objetivos da pesquisa, compondo o que chamamos de Diário de Campo. Textura, n.30, jan./abr.2014 101 os objetivos passeiam pela produção de conhecimento numa posição ética, estética e política. O desejo foi tecer uma conversa com as práticas culturais cotidianas locais com o campo da EA Autopoiética, furando clichês e trazendo à tona “outros” cenários de um município retratado como lugar dos homens infames, onde as mazelas são evidenciadas na mídia, pela opinião pública, nos discursos e na política, ressaltando potencialidades ambientais locais e modos de sustentabilizar relações com o ambiente natural. Os sujeitos colaboradores desta pesquisa foram: educadores/as e educandos de redes cotidianas escolares, mestres de congo, artesãos de congo, congueiras, filhos e filhas dos congueiros, que compõem a Associação de Banda de Congo de Taquaruçu. A geografia da pesquisa está entre a Reserva Biológica Estadual de Duas Bocas e uma Área de Preservação Ambiental Municipal Monte Moxuara, a uma altitude aproximada de 500 metros, coberto pela Mata Atlântica. Os fios de conversas capturados com os sujeitos praticantes nos deviresmascarados traduziram as relações-aproximações dos Mascarados do Congo com as matas da região. São várias versões para o possível surgimento das máscaras, feituras, usos, sentidos criados nas artes de fazer e narrar, enredando resistências, sobrevivências e modos de conviver. Vários pontos de vistas dos observadores! Nessas redes de conversações nos deparamos com os mascarados... com o João Bananeira e com o Zé Bananeira....todos esses personagens imersos no Carnaval de Congo de Roda D’Água, são saberesfazeres socioambientais que atravessam e são atualizados e compartilhados por gerações entre relações solidárias, amorosas e cooperativas. As máscaras em um trabalho inconcluso! Potencial criador e problematizador que acompanham as máscaras, os mascarados, os espíritossantos-mascarados. As máscaras nas práticas culturais capixabas e seus saberesfazeres socioambientais na atualidade, nos cotidianos escolares e nos espaços de convivências. O que podem as máscaras? O que pode um cartógrafo nos cotidianos das Educações Ambientais? O que podem os Carnavais dos Amores? Continuando a conversa, a segunda pesquisa de Gonzalez (2013) percorre travessias com a Educação Ambiental Autopoiética com as práticas do bairro Ilha das Caieiras entre os manguezais e as escolas, apostando numa política cognitiva e de narratividade no campo da EA. Textura, n.30, jan./abr.2014 102 A pesquisa desejou acompanhar os movimentos dos saberesfazeres socioambientais que emergem com as redes de conversações e com as relações de convivência e de conveniência entre os sujeitos praticantes e narradores da maré da Baía de Vitória: pescadores, desfiadeiras de siris, catadores de caranguejos, comerciantes, estudantes, professores e professoras. As práticas do bairro Ilha das Caieiras são domínios cognitivos e de ações do narrar, morar, pescar e cozinhar, potencializados pelo Turismo Gastronômico, principalmente na Semana Santa. A EA Autopoiética desloca, assim, a “sustentabilidade” praticada em discursos oficiais e pelo mercado verde, para o sustentabilizar como domínio de ação na convivência e conveniência na vida cotidiana. O objetivo da pesquisa foi cartografar e problematizar os saberesfazeres socioambientais das práticas do bairro e seus atravessamentos com as escolas e os manguezais da Baía de Vitória, potencializando os movimentos que a EA Autopoiética produz no cotidiano da pesquisa. Capturamos os seguintes saberesfazeres socioambientais: ritmos da Rua Felicidade Correia dos Santos, usos dos manguezais, museu, usos do píer, restaurantes, o linguajar ilhês comunitário, as crianças envolvidas no Turismo Gastronômico na Semana Santa, apetrechos e territórios do pescar, ofícios dos pescadores, movimentos das marés, feitura das canoas e tipos de embarcações, espécies de peixes, crustáceos, períodos de andadas e defesos, territórios do brincar, lendas, cantigas e músicas da grande mídia, receitas culinárias e temperos usados nas tortas, moquecas, mariscadas, modos de desfiar siris e camarões, famílias nas calçadas. EA Autopoiética produzida nas relações autopoiéticas com tensões, conflitos e negociações nos cotidianos com as redes de conversações, apostando compartilhar na solidariedade e na aceitação do outro como legítimo outro junto a nós, no conviver amoroso. Uma artesania com outros meios de expressões científicas e de imagens do pensamento, tendo a arte, as lendas e os imaginários como intercessores do pensamento, fazendo do texto-vida uma escrita inventiva, traçando Educações Ambientais Autopoiéticas que acontecem nas vidas cotidianas, com as redes de conversações nos cotidianos escolares tecendo saberesfazeres do ambiental em espaços de convivência e de conveniência, entrelaçando afetos, negociando conflitos e tensões. E as pedagogias dos silêncios, dos controles, das ausências, dos indicadores, dos projetos de EA? Textura, n.30, jan./abr.2014 103 As conversas tecidas com educadores/as no decorrer dos encontrosexperiências nos moveram a pensar no ambiental e seus atravessamentos com as redes cotidianas escolares e com os outros espaços de convivências, compartilhadas por sorrisos, sons, cheiros, cores, sabores, saberes, amores, tensões, conflitos, paixões alegres, paixões tristes, afetos e usos do que aprendemos com as artes de viver e de conhecer. Pensando com Maturana, nosso desejo está no fazer-com as conversas, numa VIDA de menos competição e mais colaboração, com culturas pluralizadas e de solidariedades e respeito às formas de vida, apostando nas oficinas do viver e conhecer na amorosidade. TRAVESSIAS SEM FIM A gente gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala. Este artigo desejou ser um exercício-deslocamento coletivo de discussão dos possíveis produzidos com a EA Autopoiética em redes de conversações na vida cotidiana comprometida com a cooperação, a solidariedade e a aceitação do outro como legítimo outro junto a nós no conviver na amorosidade. É também a possibilidade de pensarmos o potencial das conversas como atitude metodológica, ética, estética e de política cognitiva e de narratividade. Acreditamos que nossas vidas são constituídas de emaranhados de fios, fluxos, mãos, forças, corpos e de movimentos que compõem tons, dobras, sons, cores, cheiros, energias, na provisoriedade, que vibram e nos atravessam e, como dizia o grande Guimarães Rosa (2001), em Grande sertão: veredas “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para gente é no meio da travessia”. Este texto-vida desejou potencializar as dimensões da EA Autopoiética e ventilar os possíveis no devir cotidiano, num movimento de rasurar, rachar as coisas, rachar as palavras e de jamais interpretar..., num movimento de experimentar as dobras e redobras na vida cotidiana. As redes de conversações aqui apresentadas nos alimentaram e criaram em nós o exercício de curiosear e pensar a EA Autopoiética, percorrendo as ideias de Maturana e suas parcerias com Varela, Verden-Zoller e Yáñez, assim como as conversas inspiradoras com os/as professores/as Antônio Carlos Amorim, Gilfredo Maulin Carrasco, Leandro Belinaso Guimarães, Marco Barzano, Marcos Reigota, Shaula Sampaio, Valdo Barcelos, e também muitos Textura, n.30, jan./abr.2014 104 outros/as que tocaram nossas vidas com bons encontros e potentes experiências... Por aqui vamos encerrando o texto-vida, sem perder o fio do curiosear, tecido por temporalidades, intensidades, negociações que também compuseram os processos autopoiéticos da criação a várias mãos, e inspirados na poesia de Manoel de Barros, “com o privilégio de não saber quase tudo. E isso explica o resto!” “... Eu sustento com palavras o silêncio do abandono...”. O menino que era recebera o privilégio do abandono. Achava que seu abandono era maior que o abandono do lugar. Mas o abandono do lugar era maior porque continha o primordial. REFERÊNCIAS ALVES, N; GARCIA, R. L. (Org.). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. BARCELOS, V. Educação Ambiental: sobre princípios, metodologias e atitudes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. _______. Uma educação nos trópicos: contribuições da Antropofagia Cultural Brasileira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. BARROS, M. Menino do mato. São Paulo: Leva, 2010. DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Ed.34. 1992. DELEUZE, G. A imagem-tempo. Cinema 2. 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