Filosofia da Biologia


Resenha do livro
Biologia, Ciência Única
Ernst Mayr – Ed.Companhia das Letras, 2005.

[ tradução do original ]
What makes Biology unique? –
considerations on the autonomy of a scientific discipline
Ernst Mayr Ed.Cambridge University Press, 2004.


Ernst Mayr foi um dos principais pensadores das bases da Biologia Moderna; ao ponto de ser considerado o “Darwin do século XX”.
Nascido na Alemanha em 1904 e iniciando sua carreira na década de 1920, Mayr testemunhou ao longo dos seus 80 anos de profissão os momentos cruciais da história da Biologia.
Entre inúmeras contribuições para o pensamento biológico, reformulou a Teoria da Evolução de Darwin na forma que a conhecemos hoje. Formulou ao longo de 64 publicações o “conceito de espécie biológica”, fundamental para os estudos da sistemática. Confrontou também o paradigma das Revoluções Científicas de Tomas Kuhn, mostrando sua inaplicabilidade em obras como a de Darwin. Suas análises vão muito além do pragmatismo e tecnicismo das pesquisas de laboratório e propõem questões polêmicas sobre as bases da Biologia.
Poucos são tão qualificados como Mayr para discorrer sobre o passado, presente e futuro da Biologia do que este que a viveu plenamente ao longo de cem anos.¹
¹ Ernst Mayr morreu aos 100 anos em fevereiro de 2005 - Bedford, Massachusetts.


Um dos seus últimos livros, Biologia, Ciência Única é uma defesa apaixonada à autonomia da Biologia; distinguindo-a das demais ciências reducionistas como a Física e a Química.

Mayr abre o livro com as seguintes palavras:
Este será o meu último levantamento de conceitos controversos em Biologia. Já publiquei trabalhos sobre quase todos esses assuntos e estive envolvido em numerosas controvérsias. [...] O que ofereço agora é uma versão revisada, mais madura de meus pensamentos.”

De fato, o livro é uma seleção de doze temas aparentemente independentes. Ao lê-los, porém, repara-se que as conclusões alcançadas ao final de cada capítulo somam-se e contribuem para a noção de unidade não só do livro em si, mas da própria tese nele defendida: a unidade de uma ciência complexa — a Biologia.

Os 12 temas abordados ao longo do livro (um capítulo dedicado a cada um) são:

  1. Ciência e ciências
  2. Autonomia da biologia
  3. Teleologia
  4. Análise ou reducionismo?
  5. A Influência de Darwin sobre o pensamento moderno
  6. As cinco teorias da evolução de Darwin
  7. Maturação do darwinismo
  8. Seleção
  9. As revoluções científicas de Tomas Kuhn aconteceram mesmo?
  10. Um outro olhar sobre o problema da espécie
  11. A origem dos seres humanos
  12. Estamos sozinhos neste vasto universo?

O livro segue uma progressão de argumentos na seguinte forma:

  • Capítulos 1, 2, 3 e 4
Definem as características das ciências de “boa fé” e mostram como a Biologia as abrange tendo, no entanto, características próprias.

  • Capítulos 5, 6, 7, 8, 9 e 10
Tratam de problemas controversos dentro da Biologia

  • Capítulo 11
Situa a Biologia dentro do campo das ciências históricas, admitindo seu caráter provisório e mutável, tendo em vista a precariedade do registro fóssil.

  • Capítulo 12
Termina o livro evidenciando a inconsistência das propostas de busca por vida extraterrestre “inteligente”.


Ainda na introdução, Mayr fala do seu primeiro estudo de temas em filosofia, ao se preparar para seu exame de doutorado e cita descompromissadamente sua incapacidade de compreender a natureza da Crítica a Razão Pura de Kant.¹ Após ser avaliado por sua banca examinadora sobre questões referentes ao Positivismo, concluiu que a filosofia da ciência tal qual tinha sido até então estruturada tinha pouquíssimo a ver com a Biologia.

Paralelo às suas pesquisas de campo com identificação de espécies de aves e seu posicionamento na árvore evolutiva, Mayr seguiu lendo Driesch e Bergson discordando destes por recorrerem ao vitalismo como argumento.

Empenhado em não aceitar explicações que estivessem em desacordo com as leis da física newtoniana, seguiu na busca de uma filosofia que justificasse a Biologia como ciência de bona fide ( de boa fé; genuína).
Sem encontrar paralelos aos quais pudesse recorrer, e precisando dar seqüência às suas pesquisas taxonômicas, Mayr seguiu ao longo de vinte anos escrevendo pequenos ensaios que se substituíam por visões mais amadurecidas dentro do que ele tentava delimitar como campo da filosofia da Biologia
Das diversas linhas de pesquisa “para uma filosofia da biologia” trabalhadas por Mayr são resgatados para o livro aqui resenhado apenas alguns pontos necessários à justificativa da proposta central — Biologia como Ciência de boa fé.
¹ Mais tarde, na sua busca por uma filosofia da ciência mais ampla, irá criticar a teleologia empregada por Kant em sua Crítica do Juízo.

² E. Mayr trata de maneira mais plena os conceitos relativos à filosofia da Biologia no livro “The Growth of Biological Thought: diversity, evolution and inheritance”. Cambridge, Harvard University Press, 1982.
[com única edição brasileira (esgotada): “O Desenvolvimento do Pensamento Biológico”. ed. UNB, 1998.]


Segue-se agora uma análise crítica dos principais argumentos tratados pelo autor ao longo do livro no intuito de definir a Biologia enquanto ciência autônoma.

Uma rápida definição do que é ciência enquanto forma de conhecimento é feita no início do primeiro capítulo:
Ciência é um corpo de fatos e os conceitos que permitem explicar estes fatos”

Segue-se uma exemplificação de como a idéia de “ciência” foi sendo refinada ao longo do tempo:

  • A importância de perguntas do tipo “como” e “porque” como forma de investigação do mundo.
  • Aristóteles como precursor do pensamento biológico.
  • A generalização do que se entende pelas “revoluções científicas” dos séculos XVI e XVII. Mesmo após grandes redefinições do conhecimento “clássico”, Deus ainda era tido como causa última de tudo.
  • A definição (ainda muito ampla) de ciências por alguns filósofos como Leibniz.

Entra então a explicação de como o pensamento científico se constituiu apoiado no fisicalismo remanescente da mecânica celeste de Galileu.
A matemática permanece até hoje como marca registrada da verdadeira ciência. Kant consagrou tal opinião ao dizer que ‘só há ciência genuína na medida em que há matemática’. [...] Qual seria o status científico da Origem das Espécies, de Darwin, que não contém uma simples fórmula matemática se Kant estivesse certo?”
Fala sobre a proliferação de “ciências” a partir do século XVI (Geologia, Cosmologia, Psicologia, Antropologia, Lingüística, Filologia, História entre outras); algumas destas posteriormente se combinariam para originar a Biologia.
Diz que a Biologia, assim como a Física e a Química, partilha das características das “ciências genuínas” como organização e classificação do conhecimento com base em princípios explicativos, distinguindo-se destas por não ter na mecânica e na matemática sua principal base.

Continuando a argumentação, Mayr expõe os principais argumentos da sua defesa da autonomia da Biologia:
  • Vitalismo e a teleologia são refutados por não encontrarem apoio nas leis naturais das ciências físicas.
  • A Biologia compõe-se de duas vertentes: a biologia histórica e a mecanicista (funcional).
  • As Teorias Evolucionistas dentro da Biologia moderna não são contempladas somente pelas explicações físicas.
  • Quatro conceitos fisicalistas não se aplicam à biologia: essencialismo; determinismo; reducionismo; leis universais.
O Essencialismo (tipologia), empregado desde os pitagóricos e Platão, é incapaz de lidar com a variação; ao trabalhar com a idéia de uma diversidade limitada, conduz à noção equivocada de “raças” claramente definidas.
O Determinismo newtoniano é criticado pelo fato de não deixar espaço para os eventos casuais — imprescindíveis nas explicações de variações genéticas, por exemplo.
O Reducionismo (trabalhado exclusivamente no capítulo 4) é resumido aqui como principal método de “análise” dos fisicalistas. Sob este pressuposto, um sistema poderia ser explicado ao ser reduzido aos seus menores componentes, atribuindo a cada um destes determinada função e, por fim, relacionando-os aos níveis superiores de organização. Se este raciocínio é questionável dentro de sistemas físicos e químicos mais complexos, torna-se absurdo quando empregado em sistemas biológicos, onde após determinado grau de redução, não é possível inferir quaisquer funcionalidades a estruturas isoladas.

Por fim, demonstra a impossibilidade de traçar
Leis Universais dentro da Biologia. O emprego do Determinismo é muito limitado pelo papel do acaso e aleatoriedade dos fenômenos biológicos. Até mesmo métodos clássicos como o da Falsificação de Popper tornam-se inaplicáveis.


Conclui exemplificando a descoberta de conceitos e princípios biológicos como o “último passo para o desenvolvimento da autonomia da Biologia”.
Mayr demonstra ao longo dos capítulos que a maioria das teorias em Biologia não se baseia em leis, mas em conceitos, demonstrando que a Biologia não é igual à Física.

Antes de iniciar uma série de discussões sobre problemas controversos dentro da Biologia, Mayr trata de mais dois conceitos comumente empregados em estudos da filosofia da ciência:
o pensamento teleológico e a diferença entre análise e reducionismo.

Em um capítulo dedicado a Teleologia, mostra como esta ideologia pré-darwiniada influenciou profundamente o pensamento biológico.

Explicita que o termo “teleologia” vem sendo utilizado para processos naturais distintos que, em sua maioria, podem ser perfeitamente explicados por argumentações materialistas.

Discorre sobre o longo processo de maturação no entendimento da Teoria da Evolução de Darwin como não teleológica — não se propondo a explicar causas finais, mas processos aleatórios de adaptação a situações casuais (não previsíveis).

Solidificando sua última base argumentativa da autonomia da Biologia, volta ao tema do reducionismo, esclarecendo a confusão entre os conceitos de análise e redução e propondo, por comparação a outros métodos, a análise como ferramenta mais adequada para a construção de uma filosofia da Biologia.

Abrem-se aqui as portas para uma reflexão sobre a maneira que o conhecimento biológico tem sido consolidado e um alerta para a urgência de uma filosofia da Biologia que dê base às futuras descobertas desta ciência.

Este livro é uma ótima introdução para outras obras do autor — como o singular “O Desenvolvimento do Pensamento Biológico”.Publicado originalmente em inglês em 1982, este trabalho sobre a história da Biologia, com 974 páginas, levou dez anos para ser concluído. Infelizmente recebeu apenas uma edição brasileira pela Universidade de Brasília em 1998 — já esgotada.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Livro - Bases Filosóficas para a Educação Ambiental
http://educambientando.blogspot.com.br/2012/10/bases-filosoficas-para-educacao.html

Pensar o Ambiente: 
Bases Filosóficas para a Educação Ambiental

Download em PDFhttp://portal.mec.gov.br/dmdocuments/publicacao4.pdf

Pensar o Ambiente oferece aos educadores possibilidades fecundas de leitura e reflexão a partir da contribuição teórico-conceitual de diversos pensadores – Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Bacon, Descartes, Espinosa, Rousseau, Kant, Marx, Freud, Heidegger, Arendt, Gadamer, Vygotsky e Paulo Freire – e do momento histórico em que viveram, incluindo excertos de textos clássicos desses pensadores com a respectiva contextualização social e histórica. 

Os autores apresentam referências para que o leitor, mesmo não iniciado em filosofia, possa relacionar natureza/cultura/ambiente e compreender tal relacionamento de maneira contextualizada. 

Trata-se, pois, de uma leitura provocativa e útil para professores, gestores, coordenadores pedagógicos, diretores de escola, educadores ambientais e outros educadores preocupados com a diversidade, a cidadania e a inclusão educacional e social.

- - -

Sumário

Os Pré-Socráticos: os pensadores originários e o brilho do ser
Nancy Mangabeira Unger 

Aristóteles: ética, ser humano e natureza
Danilo Marcondes 

Santo Agostinho e São Tomás: a filosofia
da natureza na Idade Média
Alfredo Culleton 

Bacon: a ciência como conhecimento e domínio da natureza
Antonio Joaquim Severino 

Descartes, Historicidade e Educação Ambiental
Mauro Grün

Espinosa: o precursor da ética e da educação ambiental com base nas paixões humanas
Bader Burihan Sawaia

Rousseau: o retorno à natureza
Nadja Hermann 

Kant: o ser humano entre natureza e liberdade
Valerio Rohden

Karl Marx: história, crítica e transformação social na unidade dialética da natureza
Frederico Loureiro 

Freud e Winnicott: a psicanálise e a percepção da natureza – da dominação à integração
Carlos Alberto Plastino 

Heidegger: “salvar é deixar-ser”
Nancy Mangabeira Unger 

Vygotsky: um pensador que transitou pela filosofia, história,
psicologia, literatura e estética
Susana Inês Molon 

A Outridade da Natureza na Educação Ambiental
Mauro Grün 

Hannah Arendt: natureza, história e ação humana
Isabel C. M. Carvalho e Gabriela Sampaio 

Paulo Freire: a educação e a transformação do mundo
Marta Maria Pernambuco e Antonio Fernando G. da Silva 

Posfácio

O pensamento contemporâneo e o enfrentamento da crise ambiental:uma análise desde a psicologia social
Eda Terezinha de Oliveira Tassara 




2 comentários:

  1. Grupo de Filosofia da Ciência no Facebook:

    https://www.facebook.com/groups/474780099201140/

    ResponderExcluir
  2. Blog sobre Divulgação (Comunicação) Científica:

    http://divulgencia.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir